sexta-feira, 5 de outubro de 2007


"Sempre tive pensamento baço, com juízo seco. Porque eu, meu neto, eu era ainda muito novo quando desatei a envelhecer. Tal como agora: comecei a morrer ainda vivo. Ir falecendo assim sem dar conta, isso não me dava custo. Mas ficar velho sim. Esse entorpecimento me dava apenas tristeza. Pior, me dava vergonha. Esse declínio me vergava a um peso que vinha de dentro, como se estivesse engravidando do meu próprio falecimento e sentisse a presença crescente, dentro de mim, desse feto que era minha própria morte. (...) Viu? Sempre acabamos por desembocar nelas, as malfiguradas mulheres. No princípio, elas estavam fora de minhas razões. À medida que a idade me consumia eu ia ficando mais capaz de entender as mulheres. Quanto menos as podia amar, mas eu ganhava um outro afeto por essas criaturas. Menos eu precisava de corpo para saltar por cima de suas belezas, mais elas me ficavam próximas, quase parecidas"

Mia Couto (Um rio chamado tempo. Uma casa chamada terra).

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