quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Exmo. Sr. Ladrão


Na condição de desprotegido cidadão carioca, trabalhador e pagador de impostos, venho pedir uns instantes de atenção na leitura de um comunicado que há de ter grande valia para impulsionar seu desenvolvimento profissional. Embora não tenha qualquer tipo de pratica ou especialização na sua atividade, acumulo alguma experiência como contribuinte habitual e compulsório para a prosperidade dos amigos do alheio. Permita-me então apontar uma nova e promissora área de atuação: a Praia de Botafogo. Bem sei que o local já é alvo de alguma concorrência em seu meio e tive essa confirmação recentemente ao ler, neste jornal, que uma cidadã havia sido abordada por seus colegas duas vezes no mesmo sinal, num espaço de poucos minutos. Uma façanha.

Pois bem – essa é a boa nova que lhe trago: a área está limpa também em horários menos disputados. E eu explico como cheguei a essa conclusão. Recebi em casa uma autuação dando conta de uma infração gravíssima que eu teria cometido às 3h33m horas de uma madrugada de dezembro, no cruzamento da Praia de Botafogo com a rua Farani. Avanço do sinal vermelho do semáforo – curiosamente o mesmo semáforo que testemunhou o duplo assalto cometido 07/01. Além dos sete pontos na carteira, sei que vem por ai mordida forte no bolso. Vou recorrer, mas, como sempre acabarei tendo de pagar.

Das duas uma: ou paro de sair à noite ou começo a parar nos sinais de trânsito depois da meia noite. Como sou fervoroso adepto do direito constitucional de ir e vir, acho que vou fazer a segunda opção. Nesse caso, senhor ladrão, gostaria de pedir que eu fosse poupado de violência fisicia ou verbal durante a inevitável abordagem. Se por acaso nos encontrarmos em breve num cruzamento da cidade numa madrugada, bastará uma ligeira sinalização sua com o polegar apontando para baixo e eu entenderei que devo abandonar o veículo e o local. Nem será necessário mostrar a arma.

Seria leviano afirmar que o senhor tem alguma participação acionária na poderosa indústria de pardais e câmeras que monitoram sinais de trânsito, mas esteja certo de que ela abriga muitos simpatizantes de seu nobre ofício. Se fosse diferente, as câmeras seriam usadas para flagrar e identificar os ágeis e ousados profissionais de sua área, e não os incautos motoristas. Pode comemorar à vontade. Em nosso reino de faz-de-conta, o mal tem vencido o bem e estamos lamentavelmente nos acostumando a essa realidade. É a lei da sobrevivência. Se não podemos mais acreditar no poder de fogo e de reação dos nossos governantes, que nos punem quando deveriam nos defender, nos resta apenas rogar pela vida aos que detém o livre arbítrio de prolongá-la ou tirá-la a qualquer momento – o excelenetíssimo senhor e seus colegas do mundo do crime.


Armando Freitas
Chefe de reportagem de Esporte
Publicado na Folha de São Paulo

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