quarta-feira, 5 de março de 2008

A Ponte do Rio


Sinceramente, tenho sérias dúvidas se há nesse mundo algum leitor disponível para ler o que escrevo. É bem possível que não haja, o que, de certo modo, tira dos meus ombros a grande responsabilidade com o outro, com aquele leitor em potencial e comigo mesmo em identificar-me como modesto escritor, cronista ou contador de casos ou “causos”.

Assim, livre de maiores definições literárias, e sem o cuidado de afiar a caneta e temperar o vocábulo, escrever fica mais fácil e, irresponsavelmente, sem compromisso algum. Exceto com as minhas próprias reminiscências, coisas que os anos não cuidaram em apagar e que de repente me abraça em inexorável arroubo de saudade.

Sou um homem do povo. Um homem do presente que vive com os olhos postos no futuro, mas eternizado no passado. Acredito que toda felicidade nasce na infância e quem não viveu bem o seu passado corre um risco medonho de se perder em seu futuro.

De minha parte, tenho tentado uma aproximação menos ruidosa entre o que passou e o que ainda há de vir, embora o tempo, senhor da razão, não tenha olhado na minha direção, pelo menos, no tocante a essa particularidade.

Nasci em 1968 (e isso o tempo faz questão de me lembrar), interiorzão da Paraíba, cabeça chata por excelência, contumaz comedor de rapadura, orelhas de abano e vivi minha molequice na década de 70. Tive sarampo, catapora, papeira e uma convivência fraterna com lombrigas e amebas. Respeito mútuo. Elas não me incomodavam e eu as eximia dos chás de alfazema braba com marcela, mas, D. Mariinha, com sua responsabilidade de boa mãe, resolveu quebrar o acordo e curar-me de quase tudo. Para as doenças do corpo doses de lambedores e chás. Para os males do espírito indomável nada foi mais eficiente que o seu cipó de fedegoso no meu lombo. Foram homéricas lapadas, principalmente quando eu cismava de ir, às escondidas, deliciar-me nas águas límpidas do velho rio Piancó.

A ponte do rio, que também era conhecido como a ponte do Grande Hotel, era o point da molecada da cidade de Pombal e o meu também. Aquela paisagem trago gravada na lembrança. Lembro-me ainda que do lado esquerdo da ponte ficava um enorme remanso muito propício ao banho e também território devidamente demarcado pelos brecheiros de plantão entrincheirados entre as moitas flutuantes na lâmina da água do rio. Na outra margem, do lado de baixo, via-se, a princípio, o nosso complexo esportivo: dois campinhos de futebol de terra batida muito mal cuidados, cujas traves eram simbolizadas por pedras que apontavam o caminho do gol. Ali, se jogava o melhor futebol do mundo, com um detalhe, uma regra a mais era acrescida as da FIFA: do pescoço para baixo tudo era canela. Afora isso obedecíamos o regulamento oficial. A torcida ia à loucura, claro! E os jogadores também. Mas nada que um enfermeiro/cirurgião não pudesse encanar de volta. Suas intervenções “cirúrgicas” foram tantas que deu origem a mais um time de futebol de campo, o famoso “Braço de Radiola Futebol Clube”. O time era imbatível.

Outra diversão garantida era nadar por dentro dos canos que constituíam a ponte, na verdade anéis de cimento por onde deslizávamos de um lado para o outro junto com a corrente das águas até o dia em que Juareizinho morreu preso por afogamento em um desses canos no ano de 1974.

Ao lado dos campinhos de futebol ficavam as lavadeiras com suas roupas secando estendidas na grama que margeava o velho Piancó. Também nessa área era comum, vez por outra, emergir alguma daquelas moitas flutuantes e dirigíveis.

Margeando ainda o leito do rio, um pouco mais abaixo, paralelamente a rua do rio, surgiam imensas ingazeiras e oiticicas frondosas que davam abrigo aos piqueniques dominicais e ao inesquecível arrubacão à beira do rio, dando ao Piancó um aspecto de piscinão de Ramos.

Outra aventura que sempre tentei realizar, caso o medo permitisse, era descer o rio a partir da ponte do Grande Hotel até a ponte do Areial. Os moleques que faziam esse rali aquático se orgulhavam e estufavam o peito, era o mesmo que ser admitido no clube do Bolinha.

Realizei incontáveis fugas para o rio, assim como incontáveis foram as surras pelas incursões as suas águas. D. Mariinha queria ver-me longe do Piancó, principalmente depois do acidente fatal de Juareizinho.

Hoje, crescido, fecho os olhos e por um instante me vejo mergulhado em suas águas, desviando-me das tarrafas e dos anzóis dos pescadores, dividindo o espaço aquático com piabas e traíras, pulando de cima da ponte para depois descansar à sombra das ingazeiras.

Apesar dos anos idos, meus passos ainda procuram em vão as traves dos campinhos de futebol, as lavadeiras, os anéis de cimento que formavam a ponte e as moitas flutuantes. Mas isso tudo é passado. Apenas recordações voejam em minha mente. A ponte já não existe mais e o canto das lavadeiras deu espaço a um silêncio sepulcral. Tudo que restou foi um solitário pedido de socorro afixado numa faixa na parede de uma esquina apontando para o nada: “revitalização do rio já!”.

Um comentário:

Unknown disse...

Teófilo. O seu sentimento é o mesmo que o meu, já escrevi artigos cujos textos e apelos são semelhantes aos seus. Aquela voz ecooando no deserto em forma de faixa é minha e de centenas de pessoas como você,que, sensível à causa, escreve um artigo tão belo como esse. uma geração inteira de pessoas que vive hoje em nossa cidade,não sabe que temos uma "praia de copacabana de águas doces " bem no centro de nossa cidade" .A reconstrução daquela ponte e a melhoria do seu acesso,por trás do Grande Hotel é uma questão de honra para a nossa cidade., para o nosso passado e tambem para o nosso futuro. Seria o resgate de uma área de lazer para nossa população e visitantes principalmente nos finais de semana, com jogos de areia e incentivo ao ecoturismo. Eu tambem sou como você. Um sonhador, mas ,sem sonhos não se chega a lugar nenhum. Você me conhece muito bem; eu nunca fui político,mas resolvi fundar o PARTIDO VERDE,para levantar a bandeira branca da PAZ ,principalmente quando observamos claramente que o clima de rixas ,intrigas e confusão entre as pessoas já começou, onde os debates politicos deveriam estar concentrados em PROJETOS que venham melhorar a vida das pessoas . Não só a revitalização do rio,mas é fundamental que haja um centro de reciclagem no lixão de Pombal e ainda,grades de contenção nas galerias de nossa cidade para que residuos sólidos não atinjam o nosso rio,cuja riqueza,o nosso próprio povo não tem sequer a idéia da sua dimensão.(Só quando falta água nas torneiras).