domingo, 24 de janeiro de 2010

A castidade com que abria as coxas



A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.


Carlos Drummond de Andrade (Poema extraído do livro "O amor natural" )



*"Das infinitas faces que um poeta pode ter, Carlos Drummond de Andrade, de muito bom grado, dispôs-se a mostrar-nos ao menos sete. Sacramentadas. Esses lados, essas faces, não são simples traços de estilo, certamente nem convicções quanto às formas, são algo além disso: o homem Drummond, o corpo além do poeta e, como todos os demais corpos, susceptível às passagens, mudanças e afetos do tempo. Sua passagem nos recoloca, nos re-escreve e, no poeta mineiro, haveria de fazê-lo admitir uma derrota diante de suas consumições eróticas. Nos conflitos entre as dores, a morte e a vida, o sexo aparece como peça atraente, extrapolação da vida em direção ao fim sem que necessite ser, de fato, o fim. É dessa forma que melhor se compreende a conversão do comedido mineiro em militante póstumo da sacanagem.

O Amor Natural não nasceu de um desvario momentâneo. O livro de poemas pornográficos, lançado em 1992, choque entre as mocinhas e senhores desavisado, expôs contornos radicais do poeta, mas o assunto já costumava aparecer em um ou outro poema, insinuadamente, fosse no embalo da união amorosa, fosse nos tons de poesia-piada, usuais no Modernismo (Era manhã de Setembro/ e/ ela me beijava o membro). Mas nesse há um desfile pelas páginas, uma galeria recheada de vulvas, línguas, falos, lambidas, pêlos.... O que mais houvesse para haver na cama entre homens e mulheres, está lá. Mas como? Aquele velhinho...?

Mario de Andrade costumava dizer que a culpa era toda da timidez. Faz todo sentido. Mas é igualmente coerente acreditar que as mudanças de comportamento que viu observar - naqueles anos de 1950, os comerciais já expunham muito mais pedaços de pele que na época dos bondes, nos anos 20, quando um tornozelo de fora era o auge do erotismo público - somadas ao avanço da idade, tenham feito nosso poeta alargar as brechas para o erotismo que já cultivava desde sempre. Mas, apesar disso, fato é que Drummond preferiu-se, num pedido compreendido e atendido, morto à época da publicação do livro. Morto quando admitisse que a pornografia venceu. Melhor assim que deixar-se entrever à frente de todos seus acessos delirantes por contornos passantes em bondes, camas ou moitas, de coxas, pernas e peitos femininos, sempre femininos. Sobre dores do ser, sobre a política e sobre as palavras, estaria a glória de um convulsivo orgasmo.

É assim que no livro, escrito em meado dos anos setenta, Drummond rende-se a produção de poemas que vão do erótico ao pornográfico, passando pelo completo despudor; versos milvalentes onde ato sexual não eleva nem rebaixa, mas sim, aceita exultante a condição simples, o exposto cru, bastante cru, de ser humano. Animal sem meias palavras: ato, suor, lugar, sémen, gemido, mamilos, modo."

*Texto extraído do site: http://obviousmag.org/archives/2008/04/o_amor_natural.html#ixzz0dWmpobM1

Um comentário:

Unknown disse...

O Téo é meio NELSON RODRIGUES!! :) EH,EH,EH...