quarta-feira, 28 de abril de 2010

Josué de Castro: Ainda um ilustre desconhecido

A publicação pelo alto comando militar do Ato Institucional número 1, em abril de 1964, trouxe em sua lista os nomes cassados de vários políticos e personalidades ligadas ao governo deposto de João Goulart, encontrando-se entre este o médico, geógrafo e sociólogo brasileiro, cidadão do mundo, Josué Apolônio de Castro, autor de grandes clássicos como Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951), considerados importantes contribuições para as causas humanas, publicados pós-segunda guerra mundial.

Josué de Castro escolheu a França para o exílio, voltando a ministrar aulas em grandes instituições de ensino superior, como a Sorbonne e Vincennes. Instalado na capital francesa, intensificou a luta humanista que marcou toda a vida do grande cientista nacional.

No Brasil, a ditadura militar considerou Josué de Castro persona non grata, recolhendo seus livros das bibliotecas e das universidades nacionais. Quem fosse pego lendo Geografia da Fome, ou outro clássico escrito pelo homem que lutou contra a desnutrição e em prol da paz, estava passível de ser enquadrado na lei de segurança nacional, pois sua produção tornou-se tema proibido.

Escancarar as estruturas de dominação forjadas pelo homem contra o próprio homem foi considerado o grande pecado de Josué de Castro, pois sua ousadia ao denunciar as injustiças sociais garantiu-lhe a ira de inimigos poderosos, pessoas beneficiadas pelo modelo que ainda tem sua vigência nos dias atuais, principalmente quando, com a urbanização anômala e acelerada, recrudesceu o problema da fome e da miséria.

Constatar que Josué de Castro e sua vasta produção ainda são desconhecidos soa como algo misterioso e inadmissível em pleno século XXI, tendo em vista a importância e a atualidade do pensamento deste teórico nacional para a compreensão e elucidação dos graves transtornos sociais que se agigantam cotidianamente, pois a confirmação de profecias feitas há mais de quarenta anos são reconhecidas no presente.

Por esta razão justifica-se a busca para alcançar objetivos definidos em projeto de extensão apresentado ao Departamento de Geografia do Campus Central da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, denominado Discutindo a importância e a atualidade o pensamento de Josué de Castro em Escolas Públicas Municipais e Estaduais de Mossoró/RN.

Intuindo assinalar a participação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte nas comemorações do centenário de nascimento de Josué de Castro, ocorrido no ano de 2008, buscamos assistir a um público-alvo bastante parecido no que tange às origens do injustiçado cientista brasileiro.

Quando da aplicação desse projeto de extensão, observamos imediata identificação dos alunos com a vida, com as idéias e com a permanência de suas defesas. Nascido em zona miserável da capital pernambucana, no dia cinco de setembro de 1908, Josué de Castro nunca esqueceu suas origens, pois mesmo quando desempenhava a mais alta e importante função, quando de suas gestões no Fundo das nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, criada sob os auspícios do seu particular amigo Lord J. Boyd Orr, sempre voltava aos mangues recifenses para ouvir seus personagens de infância, os catadores de caranguejos, saber como vivam, o que pensavam e o que sofriam devido a intensidade das mazelas sociais que nos dias de hoje são mais intensas e profusamente presentes em nossa sociedade.

Josué de Castro teve a iniciativa de pintar o quadro social com cores berrantes, não poupando o dramático e tétrico problema da fome em sua real dimensão, tendo alertado as autoridades mundiais para o colapso geral caso não abrissem mãos das vantagens impressionantes desfrutadas por uma pequeníssima minoria privilegiada e agraciada com todos os benefícios da exclusão da grande maioria, pois afirmou que um terço da população mundial não dormia temendo os outros dois terços que passavam fome.

A defesa intransigente da paz se constituiu em um dos pilares das propostas de solução para o problema da fome no planeta. Josué de Castro defendeu com entusiasmo que a segurança social, compreendida pelo investimento em saúde, educação, cultura, nutrição, etc., é muito e infinitamente mais importante que a segurança nacional baseada em armas, não se justificando o destino astronômico de recursos para a modernização do setor armamentista, o qual tem uma única finalidade, quer seja, fomentar a morte e a destruição.

Com certeza, encontramos uma importante explicação para o ódio devotado pela ditadura militar contra Josué de Castro nesta máxima em prol da vida, da harmonia e da solidariedade entre os povos.

A indicação de Josué de Castro duas vezes para o Nobel da Paz encontra-se na intransigência com que defendeu a idéia de que a felicidade humana, traduzida na segurança social, é mais importante do que a ênfase aos disparos de canhões e metralhadoras que levam a desgraça aos quatro cantos do planeta.

Levar o exemplo de Josué de Castro para estudantes do ensino fundamental de escolas públicas municipais e estaduais, seja de Mossoró ou de qualquer outro município potiguar ou brasileiro, constitui-se, indubitavelmente, em importante fundamento que alicerça a formação de novas consciências, tendo em vista que ao superar a pobreza crônica, apostando na educação e na cultura, fez de Josué de Castro modelo a ser seguido a fim de buscar novos horizontes em uma sociedade estruturada de forma rígida e inflexível no que diz respeito à manutenção dos privilégios que a cada dia que passa se tornam mais intensos e desrespeitosos para os que sofrem com condições sociais aviltantes impostas pelos homens contra os próprios homens.


José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da UERN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

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