sábado, 29 de maio de 2010

Saudades


Nasci das entranhas de D. Mariinha e com os seus cuidados e olhares me fiz criança, homem, nordestino e estudante do interior. Ela sempre me quis ver doutor e eu saí por aí afora a me agarrar às letras que essa vida me pôs no caminho.

Até que um dia, compreendi que tinha de deixar D. Mariinha e ir me fazer na capital da Paraíba. Um divisor de águas. De um lado, uma mãe que empurava o filho para o entorno de suas próprias asas, de outro, um coração materno que agonizava a ausência do filho.

Até que em 1989, com a cara e sem a coragem, parti como um matuto para João Pessoa, em busca de escolas e um vestibular, na mala.

Aportei na rua Barão da Passagem, na Torre. Uma ruazinha tranquila, bem parecida com as tardes do velho Arraial de Piranhas. Ali, num minúsculo kitnet desabotoei a mochila de livros e esperanças. Um período difícil tanto para mim como para D. Mariinha.

Era um jovem cheio de dificuldades e dificultoso. Com muita insistência consegui uma bolsa no Colégio e Curso CA. Com as aulas garantidas, era hora de pensar na subsistência na capital. Sem emprego e sem dinheiro suficiente, as referições eram feitas com a ajuda dos amigos no restaurante universtário da UFPB, de segunda a sexta. Sábados e domingos, era por conta da providência divina.

E Deus não me decepcionou. Ali, na ruazinha da Barão da Passagem, fui adotado aos 21 anos de idade por outra mãe, que não me pariu, mas me dispensou o zelo e o cuidado só próprios às verdadeiras mães. D. Detinha, era o nome dela!

Não me conhecia, não sabia de onde eu vinha, quem era nem para onde ia. Apenas me adotou com aquele sorriso largo e um coração maior que ela. Passei então a fazer parte da família, ganhei os irmãos Aleudson, Aretuza e Sandrinha e seu Dudu como verdadeiro pai.

De repente, os anos passaram, e assim como cheguei, fui embora, levando comigo, toda a gratidão do acolhimento de D. Detinha. Alguns anos depois, já de anel no dedo, fiz-lhe uma visita, era hora de matar saudades, reviver momentos, lembranças imorredouras, promessas dela conhecer D. Mariinha.

O tempo, senhor da razão e, as vezes, obstáculo do coração nunca permitiu que elas se conhecessem.

Em 2002 D. Mariinha se foi e hoje soube que D. Detinha, que um dia me chamou de filho, resolveu partir sem pedir licença. Foi adotar anjos junto de Deus!

Muito Obrigado por tudo mãe!

5 comentários:

Unknown disse...

Sei que você poderia escrever um livro sobre esse assunto! detalhes que só você viu e conviveu com outros irmãos interioranos que naquela época, batiam asas ,como diz a canção e voavam...indo embora do sertão (como você bem narrou, muitas vezes só com a cara...e sem a coragem...mas íamos mesmo assim...passei por essa experiência, quando tive que deixar a minha cidade para trabalhar; pois chegava um momento que tinhamos que trazer dinheiro para dentro de casa ou tomar um rumo na vida; embora eut tivesse um lugar certo para ficar e trabalhar, muitas eram as incertezas...me lembro quando entrei dentro do carro e começava a deixar a minha cidade para trás...não só a cidade...mas eu sentia que eu estava deixando tudo...mas depois de aproximadamente 3 meses fora, me deu um "estalo"(de Deus) e eu sabia que teria que retornar...esse sentimento era mais forte que eu...daí voltei...e passei no vestibular para Geografia...e logo depois no Concurso de Oficial de Justiça e Direito...ganhei asas...mas...essa narrativa me faz lembrar de muitos que vão e não voltam mais...quantas mães não estão chorando agora a ausência dos seus filhos...e vice-versa. Talvez por isso, como pai que hoje sou...tenho que fazer agora tudo o que for possível para que o meu filho fique aqui...se quiser...mas, se não...o deixarei voar...com a certeza de que sempre estaremos de braços abertos para recebê-lo de volta!

Unknown disse...

Me recordo ainda que, você me disse uma vez que chagou a arrancar cartazes de anuncio de festa do meio da rua - daquelas que já tinham sido realizadas- para poder estudar pois já acabara o papel! me lembro que tambem fiz isso quando eu estudei para o concurso de Oficial de Justiça. Como eu não queria pedir dinheiro para a minha mãe ou meu pai, e depois de ter escrito,(gosto de estudar escrevendo) todos as folhas em branco, capas e contracapas de cadernos velhos, eu esperava o pão chegar para retirar da sacola e com o papel de embrulho escrever nele (frente e verso). Ao aproximar meus 40 anos, olho para trás e agradeço por tudo; principalmente a DEUS que sempre,sempre,sempre esteve do meu lado e meus pais terrestres que me dedicaram principalmente amoe e carinho, edificando o meu ser para que eu pudesse enfrentar os desafios da existência.

Macia Cristini disse...

Meu amigo Teófilo não a primeira vez que digo do seu jeito de pegar a vida como ela é e, transformá-la em palavras que corre junto ao um rio de águas mansas.
É, acredito, sua maneira de deixar ir.
Esse movimento do desapegar nos deixa um tanto desajeitado, na verdade, capengas mesmo.
Deixar a cidade, a mãe, o conhecido, os medos para ir atrás do que há no final de nossos desejos, é um exercício de deixar ir.E nesse exercício agredimos muitas vezes nosso desleal amigo - a lembrança. Digo desleal, porque esquecemos de dizer a nós mesmos que as lembranças são reconhecimentos das relações fincadas, não para nos deixar molengas, mas para nos deixar fortes.
Se olharmos bem para trás percebemos o quanto de guerreiros somos. O quanto somos capazes de deixar ir. E, ainda, esse movimento nos deixa mais preparados, senão com menos sobrecargas emocionais. Leves para alçar voos do tamanho da estatura de nossas lembranças de outroras.
E, chega bem pertinho delas, caro amigo. Afague essas doces lembranças. Elas te fizeram forte o bastante para deixa você ir. Para onde mesmo? Paro aqui. Teu coração sabe para onde ir, como dizia os judeus teus rins sabe as razões, desconfie delas, um tanto, e vá para onde tem que ir. Vá sendo meu amigo.Tem lembranças e trocas humanas para está indo sempre. Que lhe traga a memória essas duas mulheres quando a desconfiança lhe paralisar.
Pela admiração e reconhecimento ao ser humano que és. Paz e graça.

Jairo Alves disse...

Foi sofrida a sua vida.
Mas por isso mesmo, é que tens me dito, às curtas e largas portas da minha, que para vencer,
só existe essa forma,
esse caminho doloroso,
onde fez a tua história ficar tão bonita assim!

Muito bonita a crônica e a história do cronista.

Parabéns porque você venceu!

Eu, que aos poucos passo,
Medindo a proa, deste desfeito
Rio sem ponte, derramo do peito
Esta dor, e dela me desaguo...

Não serei, talvez de quem
Possas dizer do que fui;
Se não me souberem, não iflui
Isto a menos do que me prestei ao além
(...)

Basta-me a calma do riso,
Os queixumes do alvorada!
E quem sabe, esta namorada
Um dia, não me tenha afogado em teu paraíso?...

Anônimo disse...

Devia ter voado para a Capital Federal e tudo teria sido muito mais fácil,T.J.Nunca pensou nisto ?