domingo, 22 de agosto de 2010

Quando o nome não é suficiente


Imagine a confusão que seria se as pessoas não tivessem sobrenome, identidade, registro de nascimento ou impressões digitais? Mas, acredite, era assim até meados do século 12. Evidente que naquele tempo não existiam grandes aglomerados urbanos como os que existem hoje, mas já havia grandes cidades, Paris, por exemplo, já tinha cerca de 200 mil habitantes.

Segundo pesquisa, por volta do ano 1000, simplesmente não existiam sobrenomes. A identificação de uma pessoa se fazia pelo prenome e por um complemento qualquer. Uma prática bastante costumeira naquela época e seguida até hoje nas pequenas cidades interioranas, era identificar as pessoas como “fulano filho de beltrano”. Em Pombal, não foi diferente e ainda hoje isso é muito comum. A cidade teve e tem inúmeros exemplos dessa conjugação de nome e “sobrenome”, epítetos como “Zé de Bú”, “Júnior de Teófilo”, “Pedro Farofa”, “Zé Priquitinho”, “Chico de Ernesto”, “Zé de Nitor”, “Chico de Altino”, “Pedro Mala Velha”, Zé Palitó”, “Negro Gato”, “Cancão”, Zé do Ovo”, Rita de Bozó”, “Zé Enfermeiro”, “Chico Catabi”, “Papel”, “Parela”, “Bizéu” e muitos outros. Outra forma assaz propalada era o complemento de apelidos ao nome, geralmente fazendo alusão à origem geográfica das pessoas, seus aspectos físicos, profissionais ou a traços morais do indivíduo.

Na antigüidade, houve, pelo que dão conta os registros, casos esparsos de desenvolvimento desses sobrenomes. O mais conhecido é o ocorrido no Império Romano, onde as pessoas da elite costumavam ter três nomes, a exemplo de Caio Júlio César. Com a derrocada do império verifica-se também uma involução no sobrenome e o nome composto desaparece na esteira das invasões germânicas.

Mais alguns séculos e o nome único ou o nome seguido apenas de um apelido reaparece por toda parte.

Aos poucos, os apelidos foram se incorporando e tornando sobrenomes. Em Paris, por exemplo, havia grande número de pessoas identificadas por apelidos que se referiam ao lugar de origem do cidadão, como “Langlais” (o inglês), “Lespaniol” (o espanhol), “Litalien” ou “Lombard” (designando a procedência italiana), “Lallemand” ou “Lallement” (o alemão). Entre os alusivos a traços pessoais, eram comuns apelidos como “Lejeune” (o jovem, o filho mais novo), “Leblond” (o louro), da mesma forma que “Bajo”, “Gordo”, “Rubio”, “Calvo” e outros em espanhol e analogamente em outros idiomas.

São também interessantíssimos os antigos apelidos derivados de ofícios. Um censo realizado em Paris em 1294 registrou, dentre tantos outros apelidos, “allier” (vendedor de alho), “avenir” (vendedor de aveia), “falconuir” (pessoa que cria ou vende falcões). Todo o país europeu tem hoje entre os seus cidadãos muitos com sobrenomes de “padeiro”, “açougueiro”, “ferreiro”. Esses ofícios eram importantíssimos nas cidades européias medievais e existiam milhares de pessoas conhecidas por tais epítetos. Posteriormente, o apelido se “desgruda” do ofício e se transforma em sobrenome hereditário. Meunier e Mounier, por exemplo, derivados do ofício de “moleiro”, são muito comuns em francês, assim como Miller, em inglês, e Muller, em alemão. Se o presidente Luís Inácio da Silva tivesse nascido no nordeste da França, talvez tivesse se tornado conhecido como “Lula Eisenhower” (metalúrgico em alemão). O piloto Schumacher talvez tenha tido algum antepassado fabricante de sapatos (shoemaker), assim como Zapatero, o primeiro-ministro espanhol. E na ascendência de Jean-Paul Sartre deve ter havido alguém que fazia belos ternos, uma vez que “sartre” em francês (como “sarti” em italiano e “sastre” em espanhol) significava alfaiate.

Sem dúvida, o surgimento dos apelidos e a sua multiplicação por si só evidencia a insuficiência do nome único. É como se a pessoa necessitasse de uma extensão para se fazer representar em sua coletividade e no meio social.

No Brasil, os apelidos quase sempre vão à exaustão da criatividade, característica peculiar da nossa gente, e da possibilidade sonora e lingüística do nosso português. Nessa ótica da criatividade, que vai do folclórico ao incomum e inusitado, é que o povo brasileiro tem se notabilizado pela variação dos seus nomes e apelidos. Exemplo maior dessa diversidade de “sobrenomes” e suas origens, guardadas as devidas proporções com as influências e origens dos apelidos europeus, é o que encontramos junto o banco de dados dos registros de candidaturas do TSE nestas eleições de 2010, com especial enfoque a opção de variação de nome dos candidatos para a urna eletrônica e propaganda eleitoral gratuita, variações das mais extravagantes possíveis, e evidentemente engraçadas, que vão de “Chinelo” a “Tiririca”, de “Paulera” a “Farofa”.

Sem sombra de dúvida, apelidos como estes nos conduzem naturalmente a elucubrações das mais férteis possíveis sobre a origem etimológica dessas “pérolas” lançadas pelo nosso povo ao público eleitoral brasileiro.


Teófilo Júnior

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