domingo, 15 de maio de 2011

As ilhas altas

Colombo descobriu a América; eu descobri as Ilhas Altas, ao largo de Copacabana e Ipanema. Pode ser que muita gente antes de mim as tenha visto; mas, que eu saiba, nunca ninguém disse nem escreveu nada a respeito. Descobri-as, portanto, por minha conta, pelo meu costume de estar sempre olhando o mar. Tenho várias testemunhas, e citarei Paulo Mendes Campos, que já as enxergou e as mostrou a outras pessoas.

Para falar verdade, tenho descoberto muita coisa no mar - eu, que sou apenas um homem de praia. Em Ipanema descubro jamantas imensas, e já enxerguei, próximo à arrebentação, por duas vezes, indiscutíveis tubarões - estou falando de tubarões, e não de botos traquinas. Mas as Ilhas Altas são minha melhor descoberta. Assim, pois, concito os povos de Copacabana e Ipanema a olharem com assiduidade o mar, com os olhos de quem procura disco voador voando baixinho. Mas antes de encontrar as Ilhas Altas é preciso cada um se familiarizar com a visão das outras, as comuns - as Tijucas, as Cagarras, a Redonda, a Rasa, a Contunduba e as elevações do outro lado da entrada da barra. Porque acontece que quem não está acostumado a ver, a ver reparando no que vê, não verá as minhas Ilhas Altas. Ou verá mas não achará nada de estranho - pois não saberá que está vendo ilhas que não existem, ou melhor, que não existem assim como aparecem.

E apenas nos dias de muito sol e mar manso que as tenho visto - quando no horizonte marinho há uma faixa de ar trêmulo. Então ali se projetam ilhas com penhascos soberbos, altas, nítidas, fabulosas. Têm, como as outras, o violeta sujo das penedias, o verde-escuro das árvores, tudo azulado pela distância; mas seus costões são verticais ou reentrantes, convexos, roídos pelas espumas, e se aprumam com uma fidalguia soberba no horizonte - penhascos de lenda, majestosos, fascinantes. Duram minutos, talvez uma hora, e depois se perdem numa bruma seca, vagamente.

Olhem, pois, meus irmãos, o horizonte marinho. Não perderão nada - o mar é sempre belo quando brilha ao sol, às vezes pula um peixe de prata, num salto sensacional; e todos os navios são bons de ver, até a traineira humilde que reboca um barquinho e vai para o Sul, o madeireiro chato e lento que vem carregado de pinho. Olhem o mar - um dia verão minhas Ilhas Altas, e verão que são belas. Se não as virem, ainda assim olhem o mar - porque ele ensina apenas força e liberdade.


Rubem Braga

(“Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”)



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