domingo, 22 de maio de 2011

Maquiagem na educação

Confesso: sou contra as cotas na universidade para alunos da rede pública. Sempre estudei gratuitamente. Quando criança, morava no interior de São Paulo. Minha escola era considerada a melhor da cidade. Todas as famílias, de mais ou menos recursos, faziam o máximo para inscrever seus filhos. As professoras eram respeitadas. Viviam com conforto. Nunca me esquecerei de um comentário de mamãe:

– Seu primo casou bem! Ela é professora!

No antigo ginásio, tive um ano de francês e dois de inglês. Aulas de música, trabalhos manuais e desenho artístico, além das disciplinas usuais. Aprendi a fazer xilogravuras e redes de tênis, por exemplo. Tudo isso em uma escola pública do interior! Adolescente, mudei para São Paulo. Fui para um colégio experimental, igualmente gratuito. Superconcorrido. Na minha classe, havia até filhos de milionários. Meu pai era ferroviário, e outros colegas também vinham de famílias humildes.

Ao terminar o secundário, prestei vestibular. Entrei em três faculdades sem jamais ter feito cursinho. Estudei na Universidade de São Paulo. Meu irmão mais velho, Aírton, freqüentou colégios públicos e fez um curso técnico, particular, antes do superior. Hoje é diretor de uma grande empresa na área de tecnologia. Ney, o caçula, cursou os primeiros anos em uma escola do bairro da Lapa. Continuou em uma particular, pois a decadência já começava. É professor na Unicamp. Sua lista de prêmios em composição tem mais de metro.

Ah, podem dizer que minha família é privilegiada. Não creio. Meus primos também estiveram em escolas públicas. Armando é um médico respeitável. Zoraide, professora universitária, com tese a caminho. Colegas da minha cidade do interior tiveram carreiras brilhantes em engenharia, jornalismo... Um deles, Cláudio, é escritor. Muita gente ficou no caminho. Não devido à má qualidade do ensino. E sim a questões sociais. Como a pobreza, a necessidade de trabalhar cedo e a falta de vagas em cursos noturnos.

Nada tenho contra escolas particulares. Pelo contrário. Graças a elas, o naufrágio na educação não foi total. Existem esforçadíssimos mestres de escolas públicas que lutam bravamente por seus alunos. Tive o prazer de conhecer alguns, a quem admiro profundamente.

Mas é fato: no passado, quem conseguia completar o ensino básico saía com uma sólida educação. Possibilidade de entrar na universidade gratuita. Isso não ocorre hoje em dia. O currículo foi comprimido. A mesma coisa aconteceu com o salário dos professores. Das condições de aprendizado, nem se fala. O aluno sai em desvantagem. De repente, um séquito de burocratas decide resolver o problema na base da caneta. Instalando um sistema de cotas. Ainda mais, em ano eleitoral. Em vez de ir fundo no problema. Começando por restituir a dignidade salarial ao professor. Se o futuro do país está na educação, os responsáveis não devem ganhar bem, ter tempo para pesquisar, ler, preparar aulas? É preciso melhorar os currículos. Aumentar o número de aulas e matérias.

Tenta-se uma saída artificial. Uma maquiagem. Já me contaram de alunos do secundário que sabem ler, mas não entendem o significado do texto. Que farão na universidade? Sou testemunha de quanto vale uma boa escola pública. Tive uma excelente formação. Eu me orgulho disso. Vejo agora mais uma tentativa de tapar o sol com a peneira. Muita gente vai aplaudir. Nem por isso é uma solução.


Walcyr Carrasco


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