quarta-feira, 11 de maio de 2011

Os olhos são órgãos marotos. Mesmo perfeitos, não são dignos de confiança. “Não vemos o que vemos; vemos o que somos”, escreveu Bernardo Soares. A gente pensa que os olhos põem dentro o que está longe, lá fora, quando o que os olhos fazem é por lá longe o que está dentro.

É o caso dos olhos do pai e os olhos do apaixonado por sua filha… Olho de pai é olho que se educou com a vida. Conhece a menina, viu-a nascer, crescer, voar, cair… Alegrou-se nos dias de sol, entristeceu-se nos dias de sombras e escuridão.

Os olhos do apaixonado são diferentes. Neles mora uma pitada da loucura que se chama fantasia. O apaixonado vê como realidade aquilo que existe dentro dele como sonho. Versinho enorme de Fernando Pessoa: “Quando te vi, amei-te já muito antes”. Traduzindo: vejo no seu rosto o rosto que já morava dentro de mim, adormecido… O apaixonado é um porta-sonhos.

Vocês, meu leitores, não devem estar percebendo a propósito de que é essa meditação sobre os olhares. É que eu escrevo por meio de parábolas, e o que está em jogo é um pai de olhar claro, uma donzela linda, sua filha, e um apaixonado que vê com olhos de poeta. Respectivamente, o professor José Pacheco, a Escola da Ponte e eu, Rubem Alves.

Visitei Portugal, acho que no ano 2000, e lá conheci uma escola diferente: a Escola da Ponte. Para mim, foi um espanto. Fiquei apaixonado e escrevi um livrinho sobre ela: “A Escola com que Sempre Sonhei Sem Imaginar que Pudesse Existir”. Amei a Escola da Ponte, amor à primeira vista.

Sou um educador. Escrevi muitas coisas sobre a educação no transcorrer da minha vida. Mas, de tudo o que escrevi, acho que minha contribuição mais significativa para a educação foi esse relato espantado e apaixonado.


Texto de Rubem Alves, publicado na Folha de S.Paulo, em 5/4/2011.



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