sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Zé da Farmácia

Ele se postava à porta da farmácia (qualquer uma das muitas em que trabalhou em Ipanema) e, quando um dos grandes aviões passava na calçada, comentava gaiatamente com algum amigo: "Já espetei muito essa bundinha". E não estava mentindo, em seus quase quarenta anos como farmacêutico em Ipanema, desde 1934, Zé da Farmácia (seus clientes nunca o conheceram pelo nome verdadeiro) espetou os bumbuns mais premiados do Brasil – quando suas donas ainda estavam na idade de levar injeção na nádega. Espetou também os de homens futuramente famosos, mas esses ele não se preocupava em recensear.

Aos marmanjos Zé da Farmácia prestava outro tipo de serviço, de primeira necessidade no bairro: ressuscitava-os dos monumentais porres com um coquetel injetável, inventado por ele. Compunha-se de complexo vitamínico, um antidepressivo e um antitóxico para o fígado. A esse coquetel reconstituinte submeteram-se, durante décadas, Antonio Carlos Jobim, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Roniquito de Chavalier, Zequinha Estelita, Hugo Bidet, os alunos de Sinhozinho – ah, ponha logo aí: toda Ipanema.

O coquetel devia funcionar porque Zé da Farmácia (ele próprio um bebum da primeira divisão) o aplicava em si próprio.


Ruy Castro in Ela é Carioca – Uma Enciclopédia de Ipanema.
São Paulo: Cia das Letras, 1999.

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