domingo, 23 de outubro de 2011

Uma mulher séria e firme, na História Política recente do Brasil: Dona Mora de Ulisses Guimarães!

BRASÍLIA - Nasci Ida Maiani de Almeida, mas, por ser a mais morena das netas, minha avó apelidou-me de "Mora" e nunca mais usei o meu nome de batismo. E é como Mora Guimarães que me apresento a vocês.

É bem provável que a maioria de vocês nunca tenha ouvido falar em meu nome. Os 15 minutos de fama que justificam a minha presença aqui, na verdade, não se devem a nenhuma mudança do comportamento discreto e reservado que sempre marcaram a minha vida de mulher de político. Se, alguma vez, mudei meu comportamento, está sendo agora, neste espaço onde pretendo contar a minha história de amor vivida com Ulysses Guimarães.

Portanto, não esperem de mim um relato formal, cronológico e burocrático do período vivido ao lado do homem que, em determinado momento da História, foi o político mais importante do país. Serão inevitáveis algumas revelações, mas sem a intenção de julgar o comportamento de quem quer que tenha convivido conosco nesse período.

Sem palavras

Já fiquei preocupada. Os embates do Ulysses com Sarney nunca foram saudáveis. Houve um dia que meu marido saiu do Alvorada direto para o pronto-socorro. Ulysses nunca teve paciência com Sarney. Adorava a Marly, mas tinha total desprezo por Sarney.

Perguntei então como tinha sido a discussão. Ulysses, na maior felicidade, quase levitando do sofá, resolve me contar:

- Sarney fez uma volta enorme até chegar no que queria. Ele tinha certeza de que, por gostar muito do Airton, eu iria engolir goela abaixo sua nomeação. Sarney achava que eu não sabia que, através da filha Roseana, estava tentando atrair a esquerda do PMDB contra mim.

Ulysses toma um gole d'água e prossegue:

- E nessa lengalenga, finalmente, pergunta: "O que você acha de Airton Soares no Ministério do Trabalho?". Em silêncio estava e em silêncio continuei. Apenas fixei meus olhos nele, até ele abaixar a cabeça.

E, levantando-se do sofá abruptamente para ressaltar bem o seu gesto, dá um soco na mesinha ao lado:

- Dona Mora Guimarães, calei o Sarney com o meu olhar!

Gente, não exercerei aqui o ridículo papel de ficar elogiando meu marido, mas, cá entre nós, é preciso ter muita autoridade para fazer isso. Dirão alguns de vocês que fazer isso com Sarney era muito fácil. Os políticos daquela geração, e aí incluo até o Sarney, reverenciavam muito o cargo de presidente da República, independentemente do seu ocupante eventual.

Voltemos aos meus minutos de glória. Na verdade, os governadores não contavam com a minha presença. Eles tinham se reunido antes no Centro Cultural do Banco do Brasil, o CCBB e combinado todo o script: a Pedro Simon, por ser, aparentemente (mais tarde, em outros capítulos, quando eu estiver mais desenvolta, talvez eu explique esse aparentemente, típico Pirandello - "Assim é, se lhe parece"), o mais ligado a Ulysses caberia "botar o guizo no gato", o que na política significa descartar pessoas.

Na hora em que Pedro Simon começou a falar, tirei o meu colar de pérola do pescoço e comecei a rodá-lo na mão direita, só com o indicador, e fixei meu olhar sobre ele. O Pedro sabia o que o meu olhar estava lhe dizendo. Quanto mais Simon falava, mais eu girava o colar como se, naquela velocidade, por um simples descuido meu, ele pudesse, de repente, escapar das minhas mãos e atingir a consciência do orador. E o Pedro ficou naquilo que Ulysses gosta de chamar de "dança dos tangarás" - um passo à frente, um passo atrás - e acabou não dizendo coisa com coisa.

E assim foi quase toda a reunião, um desastre total. Os governadores queriam o Quércia, mas o Quércia não queria contrariar Ulysses, que, de sua parte, cobrava uma alternativa de nomes, mas ninguém apresentava. O Arraes, então governador de Pernambuco, era o mais veemente. Mas a gente só conseguia ouvir dele este refrão: "Podem me expulsar do partido..." O resto ninguém entendia.

Pedido de casamento.
Eu, então uma pacata viúva, com um casal de filhos pequenos, havia sido escolhida para casar.

Mas, para botar um pouco de ordem, vou tentar começar minha história contando como conheci Ulysses e como fiquei sabendo que eu, então uma pacata viúva, com um casal de filhos pequenos, Tito Henrique e Celina, morando na então capital do país, havia sido escolhida para casar. Se, como já disse, a história que pretendo contar não é nada burocrática, o meu pedido de casamento foi. Aliás, nem me pediram a mão, mas os documentos. Oswaldo Manicardi, secretário particular de Ulysses, me procurou:

- Preciso dos seus documentos!

E eu:

- Para quê?

E Oswaldo:

- Porque o doutor Ulysses vai casar com a senhora.

Romântico, não foi?

Claro que Oswaldo sempre estará presente aqui entre nós. É mais fácil eu contar a vocês quem é Oswaldo Manicardi e falar da sua fidelidade a Ulysses, apenas com este pequeno fato, ocorrido já em Brasília, na residência oficial da presidência da Câmara.

Estávamos nós, Ulysses e eu, tomando sol à beira da piscina, numa dessas manhãs quente e seca de Brasília. De repente, Ulysses pede a Oswaldo, impecavelmente trajando seu inseparável terno marrom claro, que verificasse se a água da piscina não estava muito fria para o banho. Em vez de botar as mãos na água, Oswaldo volta para dentro da casa.

Até Ulysses, já acostumado com o jeito do seu secretário, estranha a atitude, aparentemente de rebeldia.

Cinco minutos depois, reaparece Oswaldo, só de calção, e dá um salto olímpico na piscina, num mergulho demorado. E sai dela com a mesma velocidade com que entrou, abana o corpo e informa:

- A água está boa!


Texto
de Jorge Bastos Moreno (moreno@oglobo.com.br)
O jornalista esta escrevendo a história da esposa de Ulysses Guimarães
Pescado do setecandeeiroscaja

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