quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Tensão pré-menstrual como circunstância de diminuição de pena

Até o final do século XIX, quando se pensava nas mulheres, associava-se a sua imagem a um símbolo angelical, de modo que se pensava que elas não tinham a capacidade de praticar crimes ou atos de violência. Quando agiam de forma considerada fora de seus padrões normais, como por exemplo, na gravidez, no parto ou na menstruação, elas eram tratadas como se estivessem doentes ou com raiva, mas nunca como se tivessem o instinto ruim.

Durante todo aquele século, com o apoio de alguns filósofos e com a quebra de muitos tabus concernentes à menstruação, as mulheres passaram a ser consideradas vítimas dos ciclos menstruais. Com o passar do tempo, as mulheres passaram a ser consideradas vítimas de seus ovários. E, apenas no ano de 1920, a mudança de comportamento das mulheres levou a acreditar que elas sofriam em virtude das alterações hormonais.

No entanto, no início da década de 1950, começou-se a estudar acerca da ligação existente entre a crise pré-menstrual e a alteração do comportamento feminino. Até que, no dias atuais, em muitos dos países desenvolvidos, a Tensão Pré-Menstrual passou a ser utilizada como defesa ou atenuante ou circunstância de diminuição de pena em muitos processos que tenham no pólo passivo mulheres que dela sofrem.

Nesse sentido, partindo do princípio que o estado puerperal é considerado uma circunstância de diminuição de pena, pretende-se demonstrar que a tensão pré-menstrual deve ser considerada também como tal, vez que a mulher, tanto no estado puerperal como quando acometida da tensão ora em estudo torna-se incapaz de compreender o caráter ilícito do ato praticado ou de determinar-se de acordo com o entendimento que possui do caráter ilícito de seus atos. Quando acometidas da tensão pré-menstrual, algumas tornam-se mais sensíveis, podendo essa sensibilidade exacerbada, quando combinada com outros fatores, ser prejudicial ao discernimento da mulher.

Assim, com o presente estudo não se procura justificar que a mulher somente praticou o crime por causa da tensão pré-menstrual, mas tenta-se demonstrar que a TPM representa um estopim para a conduta criminosa. É como se ela vivesse sendo espancada pelo marido, e quando acometida da TPM, por estar com o seu estado emocional normal prejudicado, ela se torna mais agressiva e mais propensa ao cometimento de crimes.

Em síntese, a tensão pré-menstrual pode ser definida como um conjunto de alterações físicas e emocionais que algumas mulheres sofrem nos dias que antecedem a menstruação. O DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou seja, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) denominou a tensão pré-menstrual como sendo um transtorno disfórico pré-menstrual, dispondo que:

Transtorno disfórico pré-menstrual: na maioria dos ciclos menstruais durante o ano anterior, sintomas (por ex., humor acentuadamente deprimido, ansiedade acentuada, acentuada instabilidade afetiva, interesse diminuído por atividades) ocorreram regularmente durante a última semana da fase lútea (e apresentaram remissão alguns dias após o início da menstruação). Estes sintomas devem ser suficientemente severos para interferir acentuadamente no trabalho, na escola ou atividades habituais e devem estar inteiramente ausentes por pelo menos 1 semana após a menstruação.

Muitos são os sintomas que acometem as mulheres que sofrem com a TPM, de modo que mais de 150 já foram documentados, porém, dentre eles, destacam-se os seguintes:

- Irritabilidade - Agressividade

- Ansiedade - Oscilações de humor

- Hostilidade - Depressão

- Tensão - Inchaço

- Enxaqueca - Tontura

- Compulsão por açúcar - Ganho de peso

- Dor e inchaço nas articulações

- Seios inchados e doloridos - Garganta inflamada

- Dos nas costas - Dos de cabeça

- Desmaio - Tremor

- Sensibilidade - Cólica

- Alergias - Asma

- Prisão de ventre

Esses sintomas começam a ser externalizados, geralmente, de 10 a 14 dias antes do início da menstruação, e, aos poucos, vão se agravando, até que, finalmente, desce a menstruação e, em algumas mulheres, os sintomas desaparecem. Vale ressaltar que, em uma quantidade inferior de mulheres, os sintomas da TPM persistem mesmo depois de iniciada a menstruação.

Diante dos sintomas observáveis no período da TPM e sabendo ser ela um conjunto de alterações físicas e emocionais que certas mulheres apresentam nos dias que antecedem a menstruação, pode-se afirmar que as principais alterações emocionais que podem ser elencadas são o humor irritável, depressivo ou instável, podendo haver mudanças rápidas de atitude afetivas, como por exemplo, a mulher estar alegremente conversando com os amigos de forma a exercitar sua sociabilidade, sem motivo aparente, ela se irrita e começa a chorar.

Citadas alterações, assim como as provenientes do estado puerperal, devem ser levadas em consideração quando do julgamento de uma mulher pelo cometimento de determinado crime, devendo, deste modo, dependendo do grau das alterações, a pena a ser aplicada de forma atenuada. No entanto, importante frisar que, nem todas as mulheres sofrem alterações físicas e psíquicas de tão grandiosas proporções que as impulsionariam ao cometimento de crimes.

Essa minoria de mulheres que sofrem de tensão pré-menstrual de uma forma mais severa, geralmente, quando acometidas de TPM, são violentas, apresentam ilusões e alucinações, não conseguindo controlar tais sintomas.

Essas características podem aparecer, em algumas mulheres, de forma tão severa, que em alguns estados dos Estados Unidos da América, a TPM é também conhecida como a "síndrome do descontrole", vez que, pessoas próximas às mulheres que dessas síndrome sofrem têm relatados que, quando elas não são devidamente acompanhadas e tratadas, ficam completamente fora de controle. Nesta ordem de idéias, não é tão simples utilizar-se da justificativa de que a mulher, quando do cometimento do crime, estava acometida da tensão pré-menstrual, vez que, para que ela seja utilizada como uma circunstância de diminuição de pena alguns requisitos básicos hão de ser demonstrados:

- A mulher, quando do cometimento do crime, não poderia ter conhecimento prévio de que sofria de tensão pré-menstrual. Se ela já tinha conhecimento do fato de que próximo ao período de sua menstruação ela sofria de exacerbada alteração de humor, ela não poderá utilizar-se da TPM como uma circunstância de diminuição de pena, vez que, neste caso, ela assumiu o risco posto que não procurou tratamento.

- Reincidência, no sentido de que, ao ser observada a folha de antecedentes criminais da mulher que apresenta a tendência ao cometimento de crimes quando acometida dos sintomas da tensão pré-menstrual observar-se-á que os crimes por ela cometidos são, geralmente, similares, ou seja, quando não for o mesmo tipo penal será outro a ele assimilado. Isso se dá pelo fato de que o impulso que leva a mulher ao cometimento desse ou daquele crime ser estipulado de acordo com os sintomas apresentados no período que antecede a menstruação.

- Os crimes são cometidos apenas pela mulher que sofre dos sintomas da TPM, ou seja, não haverá co-autores ou partícipes. Assim, uma mulher que planeje um roubo a uma banco acompanhada de mais 04 (quatro) homens, nunca poderá alegar que quando do cometimento do crime estava sob o domínio da TPM.[1]

- Como uma conseqüência do requisito anterior, deve-se destacar que, para que se configure o crime praticado sob a influência dos sintomas da TPM e para que a mulher possa se utilizar dessa circunstância de diminuição de pena, o crime não pode ter sido premeditado e quase nunca se encontra qualquer evidência de que o crime tenha sido anteriormente planejado. Assim, o ato criminal deve pegar a todos de surpresa.

- O ato criminoso não possui qualquer motivo aparente. Destarte, além de o crime não poder ser premeditado, ser praticado sem concurso de pessoas, ele deve ser praticado sem apresentação de qualquer motivo para tanto, de modo que o ato criminoso somente poderia ser compreendido por uma pessoa que conhecia o estado da mulher que o praticara quando a mesma encontrava-se acometidas dos sintomas da TPM.[2]

- Após a prática delituosa, a mulher não tenta se evadir do distrito de culpa, não tenta escapar da prisão. Como é de conhecimento notório, a reação normal de uma pessoa que acaba de cometer um crime é tentar se esquivar da polícia, seja tentando evitar uma prisão, ou fugindo da cena onde foi praticado o crime, ou escondendo os itens roubados, ou tentando encontrar um álibi, dentre outras. No entanto, a pessoa que pratica o crime quando está influenciada pelos sintomas da TPM, como alguns dos sintomas são: amnésia, perturbação e falta de discernimento, ela fica incapacitada de fugir, vez que ela não tem nem noção de que algum tipo penal tenha sido praticado. Em muitos casos acontece de a própria mulher, após o cometimento do crime, ligar para a polícia de um telefone público e ficar esperando junto ao mesmo até que a polícia chegue ao local do crime.

- Na maioria das vezes constata-se que a mulher, quando do cometimento desses crimes, passou um longo período sem alimentar-se, esse longo intervalo varia de 06 (seis) a 08 (oito) horas antes do cometimento do fato criminoso. Essa falta de alimentação ocasiona o aumento de adrenalina[3] no sangue, que, conseqüentemente, aumenta a pressão sanguínea. A Adrenalina é hormônio da luta, do terror, do medo e do êxtase e quando a adrenalina resta acumulada ela pode causar amnésia, perturbação ou uma onda de violência incontrolável.

A partir do momento em que a defesa se utiliza da circunstância de diminuição de pena relativa à tensão pré-menstrual, ela deve ficar ciente de que o juiz deverá designar um tratamento à base de progesterona que deverá ser realizado pela acusada em aplicações mensais, sempre no período próximo à menstruação, e supervisionado pela Justiça.

Outrossim, importante destacar que, a simples alegativa por parte da defesa de que a acusada sofre de severas crises de tensão pré-menstrual não é suficiente para minorar a punição a ser aplicada. Essa alegação deverá ser corroborada por laudos médicos que serão realizados através de um acompanhamento clínico para que se possa realmente constatar que a mulher sofre de tensão pré-menstrual de um grau tal que ela não consegue se controlar e evitar a prática de atos violentos.

Ademais, para que a mulher seja diagnosticada como sofredora dos sintomas caracterizadores da TPM, ela tem de sofrer esses sintomas na maioria dos seus ciclos menstruais. Se ela sofreu os sintomas apenas uma vez, não significa que ela é acometida da tensão pré-menstrual. O objetivo do reconhecimento da tensão pré-menstrual como atenuante não é ajudar as mulheres que realmente são culpadas pelo cometimento de crimes a se livrar da aplicação da lei e das reprimendas legais.

A finalidade da circunstância de diminuição de pena relativa à tensão pré-menstrual é demonstrar que certas mulheres, devido à severidade das alterações originadas pela TPM, acabam por sofrer uma perturbação em sua saúde mental, não devendo, deste modo, ser punidas da mesma forma que as mulheres que cometem determinado crime dolosamente e que possui absoluta certeza do caráter ilícito de suas condutas e de acordo com estas certezas conseguem controlar suas emoções.

Em 1981, uma mulher nômade de 34 (trinta e quatro) anos de idade e um homem desempregado com quem ela vivia foram denunciados pelo homicídio de um senhor de idade avançada em seus aposentos. Eles se dirigiram à casa desse senhor preparados para a prática de um roubo e levaram consigo substâncias inflamáveis para após o roubo atearem fogo na casa, e fazer com que todo o crime parecesse um incêndio acidental. A mulher, quando do cometimento do crime, estava em seu período que antecede o ciclo menstrual e a sua defesa tentou argumentar, em seu favor, que a circunstância de diminuição de pena em virtude do acometimento de sintomas provenientes da TPM fosse aceita pelo Tribunal. Foi em vão.


Por Guilherme Farias Rôla
Advogado

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