sexta-feira, 29 de junho de 2012

Fim do mundo

Sobre as vantagens e desvantagens da crença no fim do mundo para a vida.


2012 é um ano marcado com o que para uns é possibilidade e, para outros, mera neurose popular, a curiosa crença no fim do mundo. Nem uma coisa nem outra, a crença no fim do mundo inventada pelas religiões é, de certo modo, uma hipótese tão importante na economia política da qual as ideias fazem parte como a teoria do Big Bang ou as narrativas míticas de povos em geral, sejam os gregos, os africanos ou americanos nativos que se ocupam de um começo. O gênese bíblico até hoje faz muito sucesso. Mundo é uma ideia que ocupou filósofos metafísicos de Platão a Leibniz, de Descartes a Kant, até os contemporâneos. Uns dizem “o mundo”, outros dizem “meu mundo”, enquanto é bom lembrar que Giordano Bruno falava em “mundos” e acabou sendo morto por isso. Daí que muitos tentem controlar a ideia de mundo evitando que se pense na ideia de um “outro mundo possível” em termos sócio-econômicos, por exemplo. O controle sobre o que podemos chamar de mundo das ideias que circulam por aí pela religião ou pela publicidade define práticas tão simples como o desejo de comprar um carro ou a música que se há de ouvir. Das ideias advém as ações. Nenhuma novidade.

A crença no fim do mundo se tornou ainda mais popular com a advento dos meios de comunicação de massa. A religião compartilha com eles o poder de difusão das ideias. Se antes o sacerdote falava para a multidão no púlpito, hoje ele fala nas telas para maiorias impressionantes e nem precisa acreditar no que diz. A força da crença no fim do mundo prova que vivemos num mundo carregado de religião ainda que pareça secularizado: dizer que o capital é Deus e que a mercadoria é o fetiche não é novidade. Problema é de quem acredita nisso e de quem, não acreditando, precisa engolir. Só que, enquanto crença, o fim do mundo é, como aquela coisa de podre que havia no hamletiano reino da Dinamarca, uma parte incômoda no pacote da crendice que religião e publicidade vendem, cada uma, à sua maneira.

Para crer em qualquer coisa é preciso não pensar, seja em Deus seja na “marca”. No cálculo geral que a razão faz sobre a vida, para muitos é melhor simplesmente crer e deixar de lado o ponto de interrogação que deveria acompanhar nossos atos de pensamento mais básicos. A crença no fim do mundo está em voga, mas a crença na eternidade do mundo também. A verdade dominante pode até admitir o juízo final judaico-cristão, mas a profecia das minorias, seja a maia, a oriental ou a africana deve ser ridicularizada. Seria para evitar a tristeza, a depressão das massas, a melancolia inevitável da ideia?

De que melancolia ou de que depressão se trata de evitar? Quando se fala nestes afetos negativos na indústria geral da felicidade que promove o desejo pelas marcas, objetos e corpos perfeitos, é preciso pensar em dois pesos e duas medidas: há uma depressão fomentada – a falsa pela falta de poder de compra – e outra a ser evitada – a verdadeira, pela percepção do sem-rumo no qual se estabelece a vida em sociedade. Fato é que as pessoas não creem realmente, elas apenas precisam dos resultados e efeitos positivos que as crenças tem diretamente sobre a vida. A consciência acomodada pode não ter paz, nem prazer, mas terá sua satisfação imediata e ilusória comprando ou injetando drogas autorizadas ou não. Ou simplesmente crendo que tudo está bem.

“Fim do mundo” pode parecer uma ideia inútil, mas nos ensina o sentido da profecia em nossas vidas, ajudando-nos a pensar a verdadeira questão do futuro: teremos futuro? Futuro é uma palavra abandonada no vocabulário da felicidade comercial vendida em nossos dias. Se o planeta desaparecerá um dia e com ele a espécie humana é questão inevitável. Não somos para sempre, mas olhar para a nossa morte implica rever o sentido da vida. E este desejo não está à venda no mercado.


Márcia Tiburi


*Da coluna da Márcia Tiburi na Revista Cult do mês de fevereiro

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