quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A França e a tradição escrita

A França é um país de escritores e leitores, não somente por causa de sua riquíssima literatura, mas porque quem vive neste país é constantemente estimulado (maneira sutil de dizer “obrigado”) a escrever.
 
Quem procura um emprego deve escrever uma carta de motivação de pelo menos três parágrafos; os candidatos às eleições devem escrever o que chamam de “profissão de fé”; uma declaração pública de seus compromissos; que posteriormente será lida pelos eleitores; quem procura um apartamento deve escrever uma justificativa; e quem quer um visto deve escrever uma carta de compromisso.
 
Eu ousaria dizer que a França é um país onde impera a “razão gráfica”, citando descaradamente Jack Goody, grande antropólogo inglês que observou as consequências da escritura nos modos de pensamento.
 
Não se assustem, não tenho a intenção de fazer um estudo antropológico da sociedade francesa e tenho consciência que meus conhecimentos em antropologia são bastante limitados, mas minha experiência empírica e minha ousadia – mais a segunda que a primeira – indicam que existe uma lógica diferente no funcionamento da sociedade francesa e eu acredito que isso tem suas origens na tradição escrita.
 
Observo exemplos disso cotidianamente, quando me explicam um endereço mostrando em um mapa e não citando pontos de referência como o posto de gasolina ou a padaria da esquina; quando me dizem que é melhor explicar algo por e-mail que por telefone; ou quando uma matéria em uma revista para o grande público tem citações bibliográficas. Entender isso foi vital para minha adaptação na França.
 
Ainda segundo Goody, a palavra escrita permite o distanciamento crítico, ela pode ser discutida e comentada. Eu acho que vem daí a impressionante capacidade de reflexão dos franceses e a habilidade de integrar o pensamento crítico à vida cotidiana. Seja em discursos, teses, conversas na mesa do bar ou nas páginas dos jornais.
 
Na imprensa esta complexidade é marcada não somente na escolha das palavras mas também do ponto de vista. Questões banais ganham sempre um enquadramento reflexivo.
 
Tudo isso constrói a complexidade desta sociedade, que me convida e me provoca sempre a pensar, a refletir e me “obriga”, sem querer, a escrever novos textos.

 
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.

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