segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Os ungidos

Pelo amor de Deus, não confie em intelectuais pedindo emprego em órgãos executivos. Não estou enterrando meu próprio time, estou apenas dizendo onde devemos jogar.

 

A função do intelectual é ler, escrever, dar aula, orientar pesquisas, participar do debate público, mas não assumir funções executivas porque somos obcecados por nossas visões de mundo, corretas ou não, somos monstruosamente vaidosos e pouco democráticos, pelo contrário, adoramos o poder, e nos achamos superiores moralmente.


Qualquer um sabe o escândalo de como os intelectuais compactuaram com todo tipo de violência (criadora ou não... risadas?) desde o século 18. O último lugar onde se deve olhar quando buscarmos líderes é um departamento de humanidades.


As ciências duras geram produtos técnicos, testáveis e que quando erram são mais facilmente identificáveis. E se nem sempre o são, a causa é aquilo que o epistemólogo Imre Lakatos chamava de conteúdos exteriores ao "rational belt", ou cinturão racional, ou seja, componentes exteriores ao próprio método científico, como fatores políticos, econômicos, morais, psicológicos.


Nas ciências humanas se pode dizer tudo, porque nada é testável, e normalmente quando se erra, se inventa alguma hipótese "ad hoc" (basicamente, neste caso, desculpas chiques) para justificar.

 

Tanto no marxismo quanto no cristianismo, hipóteses "ad hoc" funcionam porque ambas são especulações e nada mais. No cristianismo se diz "a igreja traiu Cristo", no marxismo se diz "a União Soviética traiu a causa da liberdade".


Quando um de nós assume cargos de gestão, começa a inviabilizar qualquer iniciativa que não reze na cartilha de suas teorias salvacionistas.


Torquemada, o grande inquisidor espanhol do século 15, patrono dos intelectuais em ministérios ou secretarias, se sentia moralmente superior queimando hereges.


Concordo com isso tudo que escrevi acima, mas esta crítica não é minha. Ela está na obra de um intelectual americano negro quase desconhecido no Brasil. Friso que ele é negro porque quase todo mundo, devido a nossa atávica ignorância com relação ao pensamento norte-americano que não seja o blá-blá-blá do Partido Democrata e da "new left", pensa que conservador americano em política é sempre branco babão e estúpido.


A razão desta ignorância é porque nossos alunos só podem ler o que achamos que está certo, e sonegamos o resto.


Thomas Sowell é praticamente desconhecido entre nós, apesar de termos a excelente tradução de sua obra capital "Intelectuais e Sociedade", pela É Realizações.

 

"Ungidos", título da coluna de hoje, é um termo usado por Thomas Sowell no seu "The Vision of The Anointed, Self-Congratulation as Basis for Social Policy", Basic Books, 1995 (a visão do ungido, autocongratulação como base para política social). Esta obra é uma excelente "entrada" para conhecer seu pensamento. Uma das vantagens é que ela é bem menor e menos complexa do que "Intelectuais e Sociedade".


Nela, Sowell mostra como esta classe de ungidos (a esquerda que tem formado a maior parte das políticas públicas nos EUA e Ocidente em geral) falou besteiras nos últimos anos, principalmente em três áreas: 1. "Guerra à pobreza" (suas ideias apenas pioraram a miséria), 2. "Educação sexual" (destruíram a família, os laços afetivos e a relação entre homens e mulheres) e 3. "Justiça e combate ao crime" (criaram um blá-blá-blá que o criminoso é criminoso porque é vítima da sociedade e, portanto, se você é assaltado, a culpa é sua, e não dele, o que só piorou muito a segurança pública).


O padrão de funcionamento deles é basicamente dizer/fazer o seguinte: 1. Catástrofes vão acontecer e não percebemos, só eles. 2. Ação urgente necessária que só eles sabem qual é. 3. Necessidade de medidas drásticas, criadas por eles, uma minoria ungida e mimada, para uma maioria ignorante. 4. Desprezo por todo argumento contrário, acusado de ser coisa de gente malvada, desinformada, irresponsável e motivada por interesses duvidosos (eles, claro, são movidos pela pureza de coração).


Você reconheceu o padrão?


Luiz Felipe Pondé,

 
Pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".


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