terça-feira, 28 de janeiro de 2014

À mesa

Já ninguém tem regras nem horas para estar à mesa, dizem os mais velhos. Pelo menos no que respeita à terminologia estarão cheios de razão.

Começava-se o dia com a parva (a pequena refeição) ou desjejum, o mata-bicho, hoje o pequeno-almoço.
 
O almoço vinha um pouco mais tarde, mas ainda à pressa, ao calhar da conveniência dos horários de cada um. A palavra não é árabe, como pode julgar-se pelo al inicial. É romana: ad-morsus, ou seja, à dentada, rapidamente para ir à vida.
 
A merenda fazia-se no pino do calor como um intervalo indispensável, ao meio-dia (meridie) e só no regresso a casa a família acabava por se juntar na ceia (do grego Koene: conjunto). Os simpósios que hoje reúnem professores, cientistas, etc. não passavam de uma patuscada, de pretexto para mais uns copos, pois simpósio significa beber em conjunto.
 
Na Idade Média, a mesa era posta pela simples razão de que não havia casa de jantar e comia-se ao gosto do momento, aqui ou ali.
 
A mesa (ou mensa como se diz nalguns sítios do Alentejo mantendo exactamente o termo latino) era armada (posta) sobre pernas em xis, como ainda se faz com os tabuleiros dos vendedores ambulantes.
 
Antes de se levantar a mesa, tirava-se a toalha, já bem suja porque os comensais ali tinham limpo as mãos (embora fosse regra não meter na comida mais do que as pontas dos dedos, que também podiam limpar-se ao pêlo dos cães que solicitavam um osso sobrante). O que vinha depois, as frutas e os doces era comido directamente sobre a mesa. Daí a sobremesa. Comia-se com colher ou à mão de um recipiente comum e daí cada um meter a sua colherada.
 
O garfo só vai aparecer no século XVI. Objeto insólito, cuja primeira utilidade, então com um só dente, fora a de escrever as missivas romanas sobre tabuinhas de cera. Era o graphium com que se grafava, ou se escrevia.
 
Garfo, que, no passado, se apelidara stylum, o instrumento com que se gravavam os caracteres cuneiformes nas Babilónias e Caldeias. Cada qual com o seu estilo, e os cirurgiões com o seu estilete para fazerem talhos nos males que nos afligem, e daí talhante o que corta a carne que comemos, cada dia mais doloroso… E comemos, claro, com os nossos talheres.
 
 
[Roby Amorim, Elucidário de Conhecimentos (quase) inúteis; 2.ª ed. revista e ampliada. Edições Salamandra, Julho 1985]

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