sexta-feira, 27 de junho de 2014

Um gesto quase impossível


          Defesa do silêncio. Defesa do tempo. Defesa da lentidão e da espera. Eis o que encontro em um breve texto do catalão Jorge Larrosa Bondía, que me é passado por meu amigo Sérgio Pantoja _ um amigo com quem divido uma forte sincronia espiritual. Sérgio leu o texto de Bondía e logo pensou em mim. E com razão, porque ele expressa algo que ando sentindo, com bastante intensidade, mas que tenho dificuldades de expressar. O artigo se chama "Notas sobre a experiência e o saber da experiência". Apareceu no número 19 da Revista Brasileira de Educação, em tradução de João Wanderley Geraldi, professor da Unicamp. Bondía é professor da Universidade de Barcelona.

        A possibilidade de que algo nos toque realmente, diz Jorge Larrosa Bondía, "requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm". Tempos que nos põem a correr feito loucos, que nos agitam a mente e o corpo, que nos sacodem e eletrizam _ mas sem nenhum senso de direção. Tempos sem senso de direção, em que as coisas se fragmentam e se pulverizam, as palavras se fracionam e as representações foram completamente borradas. Tempos sem forma _ dominados pela fome de uma forma, fome de um corpo.

        Nessa época disforme, o "gesto de interrupção" preconizado por Bondía é, de fato, quase impossível. E, no entanto, ele nunca foi tão essencial. Se paramos, somos vistos como apáticos, como alheios, ou como deprimidos. Talvez como tolos, já que não sorvemos, ávidos e sem pensar, os produtos e as glórias do presente. Diz Bondía: "requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar". Mas como mais devagar? _ perguntarão os adeptos da sincronia tecnológica, das performances impecáveis e do desempenho máximo? Como "perder tempo"?

         Esquecemos da importância ócio, que é justamente a arte de perder tempo. Esquecemos da lentidão e, mais que isso, a satanizamos. Sugere Bondía que nos detenhamos nos detalhes, suspendendo a opinião, o juízo e a vontade, isto é, suspendendo o automatismo da ação. Em outras palavras: recusemos o reflexo puro e a rapidez impensada. "Cultivar a atenção e a delicadeza", ele nos diz. "Falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro". Tudo isso que a vida agitada de hoje _ quando nos esbarramos, quando nos atropelamos _ nos roubou. Época do falatório, em que todos querem ganhar "no grito", em que todos estão cheios de certezas e de si. Época do "quero porque quero", em que adultos se parecem com crianças mimadas, a reagir e a espernear.

        Contra tudo isso, nos sugere Bondía, devemos "calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço". De novo: é bom saber que, em tempos impacientes e estressados, talvez pareçamos lunáticos, mas podemos ser felizes. Uma felicidade pequena e sutil, mas ainda assim felicidade. É bom ter consciência de que calar é quase um pecado na era dos talk shows. É bom saber o que nos espera e ter
coragem. Esperar, recolher-se, esperar mais ainda, retirar-se para dar tempo ao tempo, para dar tempo que as coisas aconteçam e possam ser entendidas. 

 
         Meu amigo Sérgio certamente sabe que logo relacionarei tudo isso com a literatura. Lentidão, espera, paciência, silêncio, interrupção, algo próximo à resignação: de que outros elementos se vale um escritor? Do que mais um escritor se alimenta?  
 
José Castello

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