terça-feira, 29 de julho de 2014

O pesadelo

Mesmo que nossa opinião venha a mudar, podemos tirar duas conclusões, pelo menos por esta noite. A primeira é que os sonhos são uma obra estética, talvez a expressão estética mais antiga; e podem adquirir formas estranhamente dramáticas, já que somos (no dizer de Addison) o teatro, o espectador, os atores, e o enredo.

A segunda conclusão se refere ao horror que o pesadelo nos provoca. Em nossa vigília, existem momentos terríveis em que a realidade nos massacra – quando morre um ente querido ou uma pessoa amada nos abandona; são tantos os motivos de tristeza, de desespero... E, no entanto, nada disso se parece com o pesadelo, que tem um horror peculiar, possível de se expressar mediante qualquer enredo.

Pode se manifestar pelo beduíno que também é Dom Quixote, como em Wordsworth; ou por tesouras e fios soltos; ou pelos famosos pesadelos de Poe. Entre eles todos existe algo comum, aquilo que constitui o sabor do pesadelo. Nunca se menciona esse horror nos tratados que consultei.

Aqui poderíamos propor uma interpretação teológica, bem de acordo com a etimologia. Tomo qualquer uma das palavras mencionadas: a latina incubus, a saxônica nightmare, ou a alemã Alp.

Todas sugerem a presença de um elemento sobrenatural. Pois bem: e se os pesadelos forem estritamente sobrenaturais? Digamos que fossem fendas do inferno. Dentro dos pesadelos, não estaríamos literalmente no coração do inferno? Por que não?

Tudo me parece tão estranho que até isso seria possível.

Jorge Luis Borges in Sete Noites

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