quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Na blitz, juiz não precisa ser cidadão como eu e você?

Operação Lei Seca (Imagem: Marcos de Paula / AE)

Pense como a jovem agente de trânsito vai explicar às criancinhas que foi multada pelo Estado porque, atuando em nome do Estado, tratou o juiz como um cidadão?
 
Parado numa blitz policial, um cidadão é um cidadão? Ou, antes de ser cidadão, é UM JUIZ, um pedreiro, um político, um jornalista?
 
Dá para responder de bate ponto: Cidadão. Que é o que nos define nos estados democráticos, onde, garante a Constituição, somos todos iguais em direitos, deveres e obrigações. Seja pedreiro, doméstica, político, jornalista ou juiz.
 
Primeiro e acima de tudo, cidadão – unzinho igualzinho ao outrinho, independente de formação ou qualificação técnica. A profissão diferencia nossa atuação pro-fis-si-o-nal, mas não nos exime de obrigações e deveres de cidadania. Obediência às leis, inclusive e principalmente. Simples. Corriqueiro. Diferente disso é o “ta errado”. É desmando.
 
Mas não tem sido bem assim desde Pero Vaz de Caminha, primeiro cronista oficial da história brasileira que, já no famoso primeiro despacho, pediu emprego para um sobrinho.
Inaugurava ali faceta destacada do jeitinho nacional, tão praticada quanto a carteirada que, numa blitz, por exemplo, pode fazer do juiz Deus. Queria o que? Como Deus, juiz ainda que no erro, não vai soprar bafômetro ou deixar carro ser apreendido feito um qualquer. Ele é um juiz! Não está na nuvem dos comuns.
 
O senhor juiz também não pode virar notícia só porque, como Deus, carteirou uma, duas, muitas vezes... Se aparecer no jornal, processa e ganha causa. Ele é juiz! Juiz! Não entendeu, ainda? Ta difícil? Quer que desenhe?
 
A presunção de “categorias” diferenciadas de cidadãos – casta? – é pai, mãe e avó das injustiças, desesperanças, descrenças. Da desilusão. Pense na nossa indignada perplexidade desses dias com o juiz e o tribunal da multa. Engasgado é pouco.
 
Pense, então, no sentimento da jovem cidadã agente de trânsito. Pense como vai explicar às criancinhas que foi multada pelo Estado porque, atuando em nome do Estado, tratou um juiz como um cidadão? Difícil.
 
Também não será fácil explicar aos cidadãos sem-casta que delegados podem, inclusive, “zoar” de seus investigados em redes sociais. Pois foi assim mesmo, com a investigação em curso, mandaram ver: vai faltar fralda na praça! Há gente “se borrando”, ironizaram como quem não quer nada. Publicamente. E sobre o processo mais famoso do momento.
 
O que é que há de errado nisso? Não é o país da zoação? Tem melhor espaço para investigador zoar do investigado que nas redes sociais? Cidadão/delegado também é gente, gente! Tem direito ao humor. Será que não passou “um pouco” da medida e extrapolou?
 
E a complicação de explicar aos cidadãos usuários de serviços públicos de Brasília que, semana passada inteira, não puderam trabalhar e tiveram a vida de perna pro ar porque o governador, derrotado, parou de pagar as contas do estado com empresas de ônibus, lixo, comida de hospital e creches, remédios, etc.?
 
Ele – o governante - que, na campanha, prometia o céu na terra, na derrota, deu dedo pros eleitores infiéis. Tipo: Se vira, meu! A fonte secou.
 
Sabe o que vai acontecer com esse cidadão/governador... Já viu esse filme, não?

PS.: Um leitor cobrou que fico “apontando o dedinho para os outros, como se não errasse...” O dedinho é apontado para nós mesmos. Eu, inclusive. Todos nós resignados cidadãos indignados – ai incluindo também juízes, políticos, etc, que, antes de tudo, respeitam a si próprio. Tipo: Ó prai, ó! Particularmente, erro sim. Mais como pessoa do que como cidadã. E, como sou só cidadã-comum, quando erro, pago.
 
 
Tânia Fusco

Nenhum comentário: