terça-feira, 16 de junho de 2015

As provações


As dificuldades e os sofrimentos da vida são, em geral, os motivos que levam as pessoas a procurarem uma direção espiritual. Ao sacerdote cabe iluminar com a luz do Evangelho essas situações tão delicadas, procurando dar um sentido para elas.
O famoso terapeuta Viktor Frankl, fundador da Logoterapia, afirmava que o sentido das coisas era fundamental para que se alcance o equilíbrio psíquico e, para isso, citava o filósofo ateu Friedrich Nietzsche que dizia que “o ser humano é capaz de suportar qualquer como, desde que tenha um porquê".
Sendo assim, é preciso antes de mais nada, entender o significa a provação. Em grego, πειρασμός (peirasmos), é traduzida de duas maneiras: tentação e provação. Ambas possuem o mesmo conteúdo semântico, mas, ao longo do tempo, houve uma diferenciação técnica entre elas. A tentação é usada quando o sujeito é o Diabo, e provação quando o sujeito é Deus. Houve uma mudança de finalidade, como se vê.
O Diabo só tem um objetivo, pelo qual não descansa: fazer com o homem perca a sua alma. Logo, quando o sofrimento tem origem demoníaca, a finalidade é sempre essa: levar o homem para o fogo do inferno, para a morte eterna. Nesse viés, nem sempre é interessante para o Diabo tentar o homem pelo sofrimento, mais fácil é mantê-lo no conforto, usufruindo das benesses da vida material, pois assim estará dando sozinho passos largos rumo ao abismo.
Deus, ao contrário, não tenta o homem, conforme atesta a Sagrada Escritura: “Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: 'É Deus que me tenta', pois Deus não pode ser tentado pelo mal e tampouco tenta a alguém." (Tg 1,13) Isso não significa, porém, que Deus não permita que a provação aconteça. Ele tem uma outra finalidade. Ele prova os seus eleitos porque quer ver o amor e a santidade florescerem em seus amigos.
Ensina São Paulo, no famoso Hino da Caridade (ICor 13, 1-13) que se não tiver amor, nada há. O que santifica o homem é o AMOR. Portanto, não é uma questão de rezar ou não rezar, sofrer ou não sofrer, mas sim, de amar ou não amar. E querendo promover o amor, Deus permite as provações.
O exemplo de São Padre Pio é contundente. Ele tinha tentações, promovidas pelo Diabo, a fim de que ele vacilasse em sua fé e se perdesse. As provações, por sua vez, Deus as permitia para fortalecer o santo no amor.
Mas, por que Deus promove o crescimento do amor por meio do sofrimento? Por uma razão muito simples: a Cruz não é a exceção, é a regra. Não é possível seguir Jesus sem ela. “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me." (Lc 9, 23) Portanto, a cruz é a condição para seguir a Cristo.
Sendo assim, por que Deus quis desse modo? Porque no mundo onde reina o egoísmo e o pecado, somente pela purificação (cruz) é possível fazer florescer o amor. “ Sine sanguinis effusione non fit remissio", ou seja, sem derramamento de sangue não há redenção (Hb 9,22), pois é assim que o amor manifesta a sua verdadeira natureza. Ele é um pacto de sangue, em que se afirma “eu derramo meu sangue, mas não desisto de você".
Deus quer que o homem cresça em amor até a estatura de Cristo. Muitos cumprem com sua obrigação, realizam tudo com zelo, são bons cristãos, etc., mas são acometidos repentinamente pela vaidade e pela soberba. Acham-se melhores que os demais, pois estão “fazendo tudo certo". Nesse momento é que Deus entra para “contrariar", para começar a purificação. E como é Deus que age recebe o nome de purificação passiva.
Importante recordar que no crescimento espiritual existem três fases: 1. purgativa (iniciantes); 2. iluminativa (progredidos); 3. unitiva (perfeitos). Na passagem da primeira para a segunda fase, entra a fase da cruz. É ela que promove a purificação, pois a pessoa já fez tudo que podia sozinha e não é mais capaz de avançar espiritualmente, por isso Deus dá a oportunidade da pessoa progredir e se purificar.
Esse processo é diferente entre as pessoas de vida ativa e contemplativa. Os contemplativos são purificados por meio de aridez espiritual, ou como São João da Cruz chama de “noite escura dos sentidos". Já nos ativos essa “noite" se manifesta em provações reais: doenças, perseguições, insucesso pastoral, em que Deus permite que ocorram.
A purificação é importante, pois prepara a pessoa para Deus. E ela acontecerá ou nesta vida ou no purgatório, isso é certo. Santo Tomás ensina que a maior das penas nesta terra equivale à menor das penas no purgatório, ou seja, é melhor sofrer aqui do que no purgatório.
O sofrimento deve ser encarado como uma graça, um dom de Deus. O Padre Reginald Garrigou-Lagrange, famoso autor espiritual, ao falar sobre a santificação dos sacerdotes em sua obra “As três vias e as três conversões", cita o exemplo de um padre francês, muito bem relacionado, que foi caluniado e suspenso injustamente. Diante disso, prostrou-se ante o Cristo crucificado e O louvou, agradecendo pela oportunidade de amá-Lo.
Assim, diante da provação ou da tentação, necessário é refletir sobre o motivo pelo qual Deus está permitindo uma ou outra. E se Ele permite é porque deseja o crescimento espiritual de seus filhos, portanto, só resta ajoelhar-se diante Dele e repetir, como o padre francês: “Meu Deus, que oportunidade maravilhosa de vos amar!"
Pe. Paulo Ricardo

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