segunda-feira, 27 de julho de 2015

As meninas de Santa Leopoldina

Assim como o juiz Sérgio Moro decifra a origem das petrorroubalheiras do andar de cima, pode-se pesquisar a origem de um sucesso do andar de baixo
Há algumas semanas havia um pedágio na entrada da cidade de Santa Leopoldina (800 habitantes), na região serrana do Espírito Santo. Jovens pediam dinheiro aos motoristas para ajudar a pagar a viagem das trigêmeas Fábia, Fabiele e Fabíola Loterio ao Rio.
Filhas de pequenos agricultores da zona rural próxima a Vitória, elas iriam a uma cerimônia no Theatro Municipal para receber as medalhas de ouro e prata que conquistaram na 10ª Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas. Fábia e Fabiele empataram no primeiro lugar, e Fabíola ficou em segundo entre os concorrentes capixabas.
Matematicamente, coisas desse tipo talvez aconteçam uma vez a cada milênio, mas as meninas de Santa Leopoldina ofenderam várias outras vezes a lei das probabilidades. O pai, Paulo, cursara até o 2º ano do ensino fundamental; a mãe, Lauriza, foi até o 4º. Vivem do que plantam, numa casa sem conexão com a internet. A roça de 18 hectares de hortaliças, legumes e eucaliptos da família fica num município de 12 mil habitantes, cujo PIB per capita está abaixo de R$ 1 mil mensais.
Numa época em que tudo parece dar errado, apareceram as meninas de 15 anos de Santa Leopoldina. Elas são um exemplo do vigor do andar de baixo de Pindorama e da eficácia de políticas públicas na área de Educação.
Assim como o juiz Sérgio Moro decifra a origem das petrorroubalheiras do andar de cima, pode-se pesquisar a origem de um sucesso do andar de baixo.
As trigêmeas de Santa Leopoldina tiveram o estímulo dos pais. Antes delas, educou-se Flávia, a irmã mais velha. Estudou na rede pública e formou-se em Enfermagem com a ajuda de uma bolsa de estudos integral (aos 23 anos, ela hoje faz doutorado em Biotecnologia na Universidade Federal do Espírito Santo e trabalha no projeto de um equipamento robótico para pessoas que sofreram AVCs.) Ainda pequenas, as quatro brincavam de estudar. Flávia foi a primeira jovem da região a entrar para uma faculdade.
Há dez anos, o professor Cesar Camacho, diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, o Impa, levou a ideia da olimpíada de escolas públicas ao então ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos.
Lula comprou-a, e hoje ela é a maior do mundo, com 18 milhões de participantes. O programa administra não só o exame, como a concessão de bolsas aos medalhistas. Custa R$ 52 milhões por ano. Nunca foi tisnado por um fiapo de irregularidade, mas raramente recebe o devido reconhecimento.
As trigêmeas começaram a competir quando cursavam o 6º ano do ensino fundamental. Em 2012, Fabíola conseguiu uma medalha de bronze e uma vaga no Programa de Iniciação Científica, com direito a uma ajuda de R$ 1.200 anuais e reuniões periódicas em Vitória. No ano seguinte, Fabiele ganhou a bolsa do PIC, e Fábia conseguiu a sua indo assistir às aulas com as irmãs. Viajavam no velho caminhão do pai.
Todas três ingressaram no Instituto Federal do Espírito Santo, onde cursam o ensino profissionalizante em Agropecuária e vivem no campus da instituição, em Santa Teresa. Passam a maior parte do tempo na biblioteca e há pouco procuraram professores, interessadas em conhecer o currículo do ano que vem. Para receber suas medalhas, as irmãs entraram pela primeira vez num avião.
As trigêmeas de Santa Leopoldina são um produto da força de vontade de cada uma, do estímulo dos pais, do sistema público de ensino, de políticas bem-sucedidas e de uma professora que estimula seus alunos, Andréia Biasutti.
Elio Gaspari, O Globo

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