sábado, 29 de agosto de 2015

Carta de Washington: O risco mora ao lado

No Brasil, de forma geral, o crime vem daquele que assalta, estupra ou mata em troca de algo material. Já aqui nos Estados Unidos, enquanto esses crimes acontecem num número bem menor, o risco pode morar ao seu lado. A morte de uma repórter e de um cinegrafista de uma rede de TV americana por um ex-colega de trabalho deles reacendeu aqui nos Estados Unidos uma polêmica bastante recorrente: a facilidade para se ter arma no país.
Nos telejornais daqui não são raras as notícias de um fulano que entrou numa escola e matou a esmo meia dúzia de crianças; de beltrano que invadiu um prédio comercial e tirou a vida de vários ex-colegas de trabalho ou de um sicrano que sacou uma arma dentro do metrô, matando um punhado de passageiros.
Obviamente que por trás desse cenário existe uma complexa questão cultural da qual não tenho conhecimento suficiente para discutir. Mas há também um peso muito grande no fato de ser tão fácil ter uma arma nos Estados Unidos.
Essa facilidade não vem de hoje. A Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos, de 1791, protege o direito do povo de manter e portar armas. Cada estado americano tem suas regras específicas, mas em muitos deles qualquer pessoa pode pedir e obter o direito de portar arma.
Aqui em Washignton, por exemplo, o Conselho Municipal aprovou, em setembro do ano passado, uma medida permitindo a posse e o porte de arma tanto por residentes quanto por visitantes. Ela derrubou uma regra antiga, de 1970, que proibia a posse de armas na capital americana.
Os números são estarrecedores. Dos 50 estados americanos, 30 permitem o porte de arma sem a necessidade de qualquer tipo de licença. Outros 14 estados permitem, mas somente perante uma licença e apenas em 6 deles o porte é proibido.
Outros dados comprovam como esse cenário armamentista é amplamente apoiado pela população. Hoje, estima-se que 43% das casas americanas têm pelo menos uma arma de fogo e que cerca de 90 milhões de cidadãos possuem algum tipo de arma de fogo. Uma pesquisa realizada o ano passado revelou também que apenas 26% dos americanos entrevistados defendiam a proibição do porte de armas no país, enquanto no início da década de 60, esse percentual chegou a ser de 60%.
As regras com relação ao uso de armas são tão surpreendentemente brandas que até as crianças podem manuseá-las. Eu vi um programa de TV esta semana que mostrava crianças entre 8 e 10 anos fazendo curso em diversos clubes de tiro.
Agora, eu me pergunto: faz algum sentido um americano poder beber apenas a partir dos 21 anos, enquanto uma criança com menos de 10 anos pode perfeitamente treinar sua pontaria com um revólver de verdade? Isso é no mínimo um contra-senso. No frigir dos ovos as leis americanas dizem que é muito mais perigoso para a sociedade um recém adulto tomar uma cerveja do que uma criança aprender a atirar.
A despeito de toda segurança que se tem morando nos Estados Unidos, confesso que é bastante esquisito você não saber de onde pode surgir o perigo. Sei que parece exagero, mas o grande risco da sua vida pode perfeitamente ser o seu vizinho de porta que, munido de sua arma doméstica, pode resolver te dar um tiro no elevador só porque teve um dia ruim de trabalho.
Daniele Camba

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