segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Nossa língua

“O texto abaixo é parte dos Fragmentos 1 e 2 do longo poema ‘A implosão da mentira’, de Affonso Romano de Sant’Anna, que emprega criativamente a barra oblíqua, separando o sufixoide {-mente} da palavra base, transformando-o ao mesmo tempo no verbo (mentir) e no substantivo de mesma forma, mantendo seu sentido de sufixoide, típico de advérbios de modo:

                  Mentiram-me. Mentiram-me ontem
                  e hoje mentem novamente. Mentem
                  de corpo e alma, completamente.
                  E mentem de maneira tão pungente
                  que acho que mentem sinceramente.

                  Mentem, sobretudo, impune/mente.
                  Não mentem tristes. Alegremente
                  Mentem. Mentem tão nacional/mente
                  que acham que mentindo história afora
                  vão enganar a morte eterna/mente.
                  ..................................................

                  E assim cada qual
                  mente industrial/mente,
                  mente partidária/mente,
                  mente incivil/mente,
                  mente tropical/mente,
                  mente incontinente/mente,
                  mente hereditária/mente,
                  mente, mente, mente.
                  E de tanto mentir tão brava/mente
                  constroem um país
                  de mentira
                  — diaria/mente.

“Repare-se que a série de ocorrências de ‘mente’, verbo, se repete, como o sufixoide ‘mente’. Assim, adjetivo + sufixoide separados pela barra oblíqua e o verbo permitem leituras múltiplas, mostrando que a barra oblíqua tem também uma função poética.”   
  

(Pequeno manual de pontuação em português: com exercícios resolvidos, José Augusto Carvalho, Brasília: Thesaurus, 2. ed., 2013, pp. 79-84.)

*Enviado pelo amigo Adauto Neto

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