segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Profeta do tempo em Caicó diz que 2016 será de chuvas

Nesta terça-feira, dia 24 de novembro, o radialista e blogueiro Cardoso Silva entrevistou  o profeta do tempo em Caicó, o senhor Gilton Batista de Araújo, 77 anos de vida e muita experiência.

Gilton é conhecido em todo o Seridó e afirmou que a natureza tem demonstrado vários sinais que teremos boas chuvas ano que vem. Citou como um dos exemplos a planta Craibeira que esse ano está toda florada o que é um bom sinal. Afirma que não costuma errar nas sua profecias e espera acertar desta vez.

Fonte aqui

Alteridade

O que é alteridade? É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem.

A nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e ensino para ele. Ele não sabe. Eu sei melhor e sei mais do que ele. Toda a estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada nessa concepção. O professor ensina e o aluno aprende. É evidente que nós sabemos algumas coisas e, aqueles que não foram à escola, sabem outras tantas, e graças a essa complementação vivemos em sociedade. Como disse um operário num curso de educação popular: "Sei que, como todo mundo, não sei muitas coisas".

Numa sociedade como a brasileira em que o apartheid é tão arraigado, predomina a concepção de que aqueles que fazem serviço braçal não sabem. No entanto, nós que fomos formados como anjos barrocos da Bahia e de Minas, que só têm cabeça e não têm corpo, não sabemos o que fazer das mãos. Passamos anos na escola, saímos com Ph.D., porém não sabemos cozinhar, costurar, trocar uma tomada ou um interruptor, identificar o defeito do automóvel... e nos consideramos eruditos. E o que é pior, não temos equilíbrio emocional para lidar com as relações de alteridade.

Daí por que, agora, substituíram o Q.I. para o Q.E., o Quociente Intelectual para o Quociente Emocional. Por quê? Porque as empresas estão constatando que há, entre seus altos funcionários, uns meninões infantilizados, que não conseguem lidar com o conflito, discutir com o colega de trabalho, receber uma advertência do chefe e, muito menos, fazer uma crítica ao chefe.

Bem, nem precisamos falar de empresa. Basta conferir na relação entre casais. Haja reações infantis...
Quem dera fosse levada à prática a idéia de, pelo menos a cada três meses, um setor da empresa fazer uma avaliação, dentro da metodologia de crítica e autocrítica. E que ninguém ficasse isento dessa avaliação. Como Jesus um dia fez, ao reunir um grupo dos doze e perguntar: "O que o povo pensa de mim?" E depois acrescentou: "E o que vocês pensam de mim?"

Quem, na cultura ocidental, melhor enfatizou a radical dignidade de cada ser humano, inclusive a sacralidade, foi Jesus. O sujeito pode ser paralítico, cego, imbecil, inútil, pecador, mas ele é templo vivo de Deus, é imagem e semelhança de Deus. Isso é uma herança da tradição hebraica. Todo ser humano, dentro da perspectiva judaica ou cristã, é dotado de dignidade pelo simples fato de ser vivo. Não só o ser humano, todo o Universo. Paulo, na Epístola aos Romanos, assinala: "Toda a Criação geme em dores de parto por sua redenção".

Dentro desse quadro, o desafio que se coloca para nós é como transformar essas cinco instituições pilares da sociedade em que vivemos: família, escola, Estado (o espaço do poder público, da administração pública), Igreja (os espaços religiosos) e trabalho. Como torná-los comunidades de resgate da cidadania e de exercício da alteridade democrática? O desafio é transformar essas instituições naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade.

Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível – porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou - a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua interioridade.


Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto - autobiografia escolar" (Ática), entre outros livros.
A águia empurrou os filhotes hesitantes para a beira do ninho. Por que será que a emoção de voar precisa começar com o medo de cair?  Pensou. Como na tradição da espécie, seu ninho localizava-se no alto de um rochedo. Abaixo, havia somente o ar para suportar as asas de cada um de seus filhotes. A despeito de seus medos, a águia sabia que era tempo. Restava uma última tarefa: o empurrão.

Enquanto os filhotes não descobrissem suas asas, não compreenderiam o privilégio de terem nascido águias. O empurrão era o maior presente que a águia mãe tinha para dar-lhes, era seu supremo amor. “E por isso, um a um, ela empurrou, e todos voaram”.

Todos nós somos seres dotados de capacidades potenciais que podem ser desenvolvidas e aprimoradas. Muitas vezes, esse potencial só é desenvolvido quando nos deparamos com uma situação difícil, que nos impõe uma postura mais arrojada. Assim como os filhotes da águia, é preciso vencer as dificuldades e os medos.

Prof. Menegatti 

"Pracas"







Escultura


domingo, 29 de novembro de 2015


Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas palavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros.
Vale a pena ler livros ou ler a Vida quando o ato de ler nos converte num sujeito de uma narrativa, isto é, quando nos tornamos personagens. Mais do que saber ler, será que sabemos, ainda hoje, contar histórias? Ou sabemos simplesmente escutar histórias onde nos parece reinar apenas silêncio?

Mia Couto, in 'E Se Obama Fosse Africano?'
Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se.

O Cine Lux

Na frente do cinema, a concentração para matinner com sua difusora ao alto tocando os clássicos músicas da época. A de concentração de pessoas a passear até o momento em que a sirene tocava pela última vez, anunciando o início da película cinematográfica. Os filmes de faroeste, rei, amor, Oscarito, Anquito, Grande Otelo, Zé Trindade, Mazzarope, as matinees com os gritos de Tarzan, westers com índios e as grandes películas mexicanas, influenciavam claramente os frequentadores.

Hoje, muitos filhos de Pombal, são resultados dos namoros e casamentos iniciados no “escurinho” do Cine Lux. 

Verneck Abrantes

Charge


Filosofia

Hora de comer — comer!

Hora de dormir — dormir!

Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?

— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!


Ascenso Ferreira

sábado, 28 de novembro de 2015

A violência natural contra as mulheres e a administração da ignorância

Dias atrás, jovens brasileiros escreveram sobre “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, tema da redação do ENEM/2015. O assunto é dos mais importantes no contexto da naturalização da violência contra as mulheres. Essa violência que se tornou uma constante cultural e que é assunto de todos. Não há no Brasil mulher que não tenha sofrido violência, que não tenha alguma mulher na família ou não conheça quem tenha sofrido violência. Não há quem não seja ou não conheça um sujeito ativo da violência contra as mulheres.

Na mesma prova, jovens do Brasil todo responderam questões de filosofia envolvendo filósofos como Hobbes e Nietzsche.

Entre esses nomes, Simone de Beauvoir causou espanto a alguns. Políticos fascistas e oportunistas (os mesmos de sempre e alguns novos que se reúnem ao coro que cospe no rosto infantil da democracia brasileira) aproveitaram o momento para destilar seu veneno ideológico fazendo moções contra Beauvoir (como os vereadores de Campinas!) ou falando asneiras vergonhosas na imprensa em geral – imprensa, aliás, que lhes dá todo apoio, da qual são, em muitos sentidos, os donos. Aqui não vou citar nomes, porque, evidentemente, tudo o que querem é também ocupar os nossos espaços. Esses políticos oportunistas sabem que é preciso administrar a ignorância do povo, com a qual lucram. Sabem que é preciso aparecer o tempo todo. O povo que concorda com eles, ou está com o pescoço preso às patas da ignorância administrada, ou, tendo luzes para ver mais longe, opta pela má fé mesmo. (Lembro de uma pessoa que era muito próxima a mim, uma pessoa muito bem formada academicamente, dizendo sobre um dos personagens mais fascistóides da política espetacularizada de nossa época: “X um cara legal”.)

O machismo estrutural é análogo ao fascismo, ambos fundados na ode à ignorância. O machismo exacerbado e espetacularizado (esse que grita contra as mulheres como gritam os fascistas contra quem eles odeiam) é a continuação do machismo estrutural. A violência simbólica e física contra as mulheres tem tudo a ver com isso. Ela está autorizada na cultura da desfaçatez machista cujos sacerdotes atuais são os administradores da ignorância, que espargem em sua cusparada ideológica a naturalização da violência.

090712-Domestic-Violence-1038x576

Um político carioca que bateu em sua mulher há alguns anos, tornando-se mais um caso de polícia “esquecido” nos armários do Estado, veio a público nesses dias com um discurso curioso a compor o grande coro da naturalização:

“Eu cometi um erro. Eu traí minha mulher. Você imagina a dificuldade e o calor dessa discussão. Associar isso a um ato de violência doméstica, de um comportamento violento, isso em hipótese alguma eu posso admitir. Porque isso não é minha atitude, eu não tenho qualquer comportamento parecido com o que prevê a lei Maria da Penha”.

O discurso da naturalização no texto acima citado separa estrategicamente o “erro” (que qualquer bom menino ou aspirante a cargo público pode cometer) da “violência doméstica”, do “comportamento violento”. Reduzir seu ato, confessado, de evidente violência, a um mero erro, é uma bela estratégia discursiva quando se trata de convencer a opinião pública de que, na verdade, não se fez um grande mal. Grande parte da opinião pública provavelmente vai concordar porque a violência contra as mulheres foi naturalizada a tal ponto que muitas das próprias mulheres violentadas reduzem a violência sofrida à vergonha de terem sido espancadas e retiram sua reclamação e sua voz da cena.

A naturalização é o texto. Desfaçatez, o subtexto.

Questionar isso tudo, não se deixar levar por naturalizações, eis o desafio do momento.

Márcia Tiburi

Teu corpo seja brasa

teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo

um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo


 Alice Ruiz

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Alquimia

Naquela mistura
fumegante e colorida
que a pá
não pára de agitar
vê-se
o infinito olhar de um morimbundo
o primeiro olhar de um primeiro amor
um trem a passar numa gare deserta
uma estrela remota um pincenez perdido
o sexo do outro sexo
a mágica de um santo carregando sua própria cabeça
e de tudo
finalmente
evola-se o poema daquele dia
- que fala em coisa muito diferente... 


Mário Quintana

Humor

Um bêbado chegou em frente ao Planalto e deixou sua bicicleta,
o segurança o chamou e disse:
- Senhor, não pode deixar sua bicicleta ai! Aqui é o Planalto, tem presidente, ministros, parlamentares entre outros.
O bêbado olhou pra ele e disse:
- Não se preocupe eu tenho cadeado. 



Em nome da angústia: uma meditação sobre a morte

O suicídio de Virginia Woolf em 28 de março de 1941 é um dado biográfico absolutamente especial. Ele faz pensar em aspectos da morte e do morrer. No gesto de cancelamento da vida pela qual optou a escritora, podemos ver a depressão e a melancolia, ou a fuga de um mundo em guerra em tempos fascistas, inevitavelmente deprimentes para quem se mantinha ética e politicamente sensível. Talvez ainda Virginia Woolf tenha praticado um último ato no sentido do direito à morte como direito de luta pela liberdade que é própria à vida pensada como categoria ética e política. Quem vai saber?

Quem se contenta em resolver o problema da morte com aquela frase do filósofo Epicuro “não conhecemos a morte porque, quando ela chega, já não estamos presentes” sabe que se trata de uma frase de efeito que pode servir, em última instância, para evitar uma reflexão capaz de produzir muita angústia. Em tempos fascistas como os nossos, tempos que se repetem historicamente, mais do que nunca, é preciso pensar sobre a morte e renovar nossa relação com a angústia. A angústia tem algo a nos ensinar, que não precisamos nos matar e que não devemos matar os outros.

Ora, vivemos em tempos fascistas, tempos em que há muitas práticas de morte, morte por descaso e assassinato, e nenhuma reflexão sobre ela. Pensar na morte pega mal na era da felicidade banal típica desses tempos em que toda angústia é evitada. O fascista não sente angústia. E isso porque a morte não é, para ele, uma alternativa. Ele não lembra que vai morrer. Ele não morre simbolicamente como acontece às pessoas em geral algumas vezes na vida. Ora, o fascista não morre porque não pode morrer. Não morre justamente porque, como o confirma sua rigidez, ele já está morto.

Vida como categoria política

Antes de ser uma categoria médica ou biológica, a vida é uma categoria política. Como categoria política, a vida implica a nossa potência para a relação simbólica com o outro que é sempre uma relação de reconhecimento. Aquele que não reconhece a alteridade está morto. Está politicamente morto. Ora, quem está politicamente morto, está morto.

O cadáver é a objetificação total. Nele não há mais chance de estabelecer relação com o outro. Há cadáveres vestidos de morto fingindo estar vivos. De paletó e gravata eles dão as regras do jogo – sempre político – dos outros que, juntos, permenecem vivos. O cadáver veste a fantasia do político profissional e sobe ao palco espetacular dos meios de comunicação. Ali ele lança seu vômito apodrecido contra a dança da vida que é a dionisíaca dança da diferença.

No cenário político brasileiro, há quem, sendo sensível como Virgínia Woolf, pense que seria melhor morrer de vez. Há quem se deprima e pense em se matar. A depressão também é uma categoria política.

Fascista, a propósito, é um termo genérico que traduz uma expressão mais específica: personalidade autoritária. Em alta em nossa cultura ela nasce da cópula entre a paranoia e a ignorância. O outro não passa, no seu regime, de “tudo o que não presta” e que deve ser eliminado.

A fantasia da morte pode ser uma real perda de tempo, mas a meditação sobre a morte já ensinou muitos filósofos a viver. O tabu no qual o suicídio se tornou nos impede de ver o doloroso ensinamento de Virginia Woolf morrendo em um mundo morto sem chance de reinventar a vida.

Hoje não basta evitar falar do suicídio ou evitar praticá-lo. Seria preciso reinventar a vida. Essa reinvenção é necessariamente política. A pergunta que podemos nos colocamos é se um fascista seria, no atual momento político, capaz de meditar sobre sua própria morte.

Márcia Tiburi

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...



Alphonsus de Guimarães

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Senado confirma ordem de prisão preventicva contra o Senado Delcídio Amaral

Diz a lei:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
(...)
 
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
(...)

Constituição Federal.  (Grifos nosso)

O Senado Federal, na noite de ontem, por maioria de votos, confirmou o decreto de prisão preventiva prolatado pelo Supremo Tribunal Federal encarcerando o Senador Delcídio Amaral.  

O placar foi emblemático: 59 a 13, além das abstenções. 

Por outro lado, analisando a questão meramente técnica, considero que o Senado Federal incorreu em equivoco ao trazer para o plenário a análise da questão. Isso só poderia acontecer na hipótese da prisão ter sido em flagrante e ainda por crime inafiançável, o que data máxima vênia, não foi o caso pois a prisão foi decretada como garantia e conveniência da instrução processual e colheita de provas. 

Teófilo Júnior

Pombal-PB alagada pelo Rio Piancó em 1967

Em 1967, devido às chuvas de inverno, ocorreu uma das grandes cheia do Rio Piancó. As águas subiram e circundaram o velho Castelo construído nos anos de 1930. Próximo ao açougue, o Castelo na época foi um moderno albergue para caixeiros viajantes, depois, serviu como uma espécie de quartel para o Tiro de Guerra do Exercito Brasileiro, no inicio da década de 1940.

Verneck Abrantes.

Frase

Na história recente da nossa pátria, [a sociedade] acreditou que uma esperança tinha vencido o medo. Na ação penal 470 [mensalão] vimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece que o escárnio venceu o cinismo

Cármen Lúcia, ministra do STF, depois de referendar a prisão do senador Delcídio Amaral

A técnica do romance em Graciliano



Além da técnica do romance, que cultivou com incrível obstinação conforme afirma em artigos e entrevistas, sobretudo nos livros Linhas tortas, Conversas com Graciliano eGarranchos, o escritor Graciliano Ramos, um dos mais sofisticados da América Latina, era um inquieto experimentalista, sempre procurando encontrar fórmulas novas para escrever seus textos. É verdade que não gostava das metáforas, por motivos mais políticos do que estéticos, nem admitia o planejamento rigoroso e inalterado da obra de ficção, considerando, no entanto, as questões íntimas do romance que chamava de “elementos essenciais da narrativa”.

A crítica sempre procurou passar a ideia de um Graciliano fechado, zangado e difícil, sem abertura para o novo e para a vanguarda. O que não é verdade, em absoluto. Ele experimentava muito, aliás, experimentava demais. No artigo Visões de Graciliano Ramos, por exemplo, Otto Maria Carpeaux destaca que a estreia do alagoano “excepcionalmente tardia, com mais de quarenta anos, deve ter sido precedida de vagarosos preparativos de um experimentador, e depois continuou a experimentar sempre. O nosso amigo comum, Aurélio Buarque de Holanda, chamou-me a atenção para a circunstância de cada uma das obras de Graciliano Ramos representar um tipo diferente de romance. Com efeito, Caetés é de um Anatole France, S. Bernardo é digno do Balzac, Angústia tem algo de Marcel Jouhandeau, e Vidas secas algo dos recentes contistas norte-americanos”. Uma constatação no mínimo revolucionária porque revela a busca incessante de Graciliano para encontrar sua voz, seu ritmo, sua pulsação, e desmonta a ideia de um escritor sempre linear, sempre repetitivo, sempre lógico.

Mas isso é incompreensível porque o autor sempre indicou, em artigos, os caminhos de sua obra, visto apenas como conteudística, uma espécie de manifesto sobre os sertanejos e o seu destino no dorso do mundo. O que impressiona muito porque Vidas secas é uma obra revolucionária, a partir da distribuição de capítulos. A respeito da criação deste livro, Graciliano revelou como compôs os personagens: “Os meus matutos são calados e pensam pouco. Mas sempre devem ter algum pensamento e isto é o que me interessa. Não gastei com eles metáforas ruins que o Nordeste infelizmente produz com abundância. Também não descrevi o pôr do sol, a madrugada, a cheia e o incêndio, que são obrigatórios”.

Além de rejeitar esses elementos narrativos que ele chamava de folclóricos e exibicionistas,Vidas secas ainda apresenta um elemento narrativo fortemente revolucionário não conhecido na prosa de ficção brasileira: o personagem inominado. Assim nascem o menino mais velho, o menino mais novo e o soldado amarelo, além do animal que pensa: a cadela Baleia. Um avanço extraordinário, que fez o romance brasileiro atingir um novo patamar. No lançamento o livro foi muito aplaudido, mas as inovações literalmente desconhecidas, até por causa da disputa que havia entre o Regionalismo e o Modernismo, destacando-se equivocadamente que Graciliano seria regionalista.
A qualidade mais destacada do livro é a criação do “romance desmontável”. Ele mesmo explica: “A narrativa foi escrita sem ordem. Comecei pelo nono capítulo. Depois vieram o quarto, o terceiro, etc. Aqui ficam as datas em que foram arrumados: ‘mudança’, 16 de julho; ‘fabiano’, 22 de agosto; ‘cadeia’, 21 de junho; ‘sinhá Vitória’’, 18 de junho; ‘o menino mais novo’, 26 de junho; ‘o menino mais velho’, 8 de julho; ‘inverno’, 14 de julho; ‘festa’, 22 de julho; ‘baleia’, 4 de maio; ‘contas’, 29 de julho; ‘O soldado amarelo’, 6 de setembro; ‘O mundo coberto de penas’, 27 de agosto; e ‘fuga’, 6 de outubro”. Confirma-se, dessa forma, o experimentalismo e a técnica na obra magistral de Graciliano Ramos.
Em artigos esparsos, Graciliano também destacou uma poética de romance, revelando a importância fundamental do personagem no centro da narrativa. Eis os três pontos relevantes da poética de Graciliano:

1. Personagens
Este é um dos pontos mais importantes da criação literária do autor de Angústia. Os personagens somos nós. E o autor deve mostrar a reação do personagem na cena e não apenas registrar o exterior.

2. Cenas e cenários
As cenas são decisivas, mas os cenários são dispensáveis. Caso existam, cabe ao narrador permitir que o personagem os interprete.

3. Diálogos
Os diálogos devem ser simples e objetivos, próximos da realidade, mas sem imitação.

Graciliano frequentemente escrevia textos para colunistas literários, revelando suas preocupações técnicas. Esses textos agora estão reunidos nos livros Conversas com Graciliano Ramos e Garranchos. A respeito de criação de personagens, recomenda-se a leitura do livro Viventes das Alagoas, onde se destacam os caboclos Libório e Ciríaco. Impressiona o fato de um escritor criado no Sertão das Alagoas tenha tido ideias tão sofisticadas a respeito do romance moderno e contemporâneo.

NOTA
O texto A técnica do romance em Graciliano foi publicado originalmente no suplemento Pernambuco.
É escritor. Autor, entre outros, de Seria uma noite sombria Minha alma é irmã de Deus. Vive no Recife (PE).