domingo, 14 de agosto de 2016

Somos todos cobaias

Diante dos jogos olímpicos no Rio, com mais de 300 horas de transmissão de TV por dia, novas delações no âmbito da Lava-Jato, também diárias, e proximidade do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, a atenção para as eleições que acontecem daqui a exatos 49 dias é próxima de zero. O calendário chega atropelando o eleitor e os candidatos, cobaias da lei que reduziu o tempo de campanha, criou regras sem regulamentá-las e extinguiu o financiamento privado.

Amanhã é o último dia para registro de candidatos. Na terça-feira, as campanhas podem começar -- oficialmente. O horário eleitoral dito gratuito, que, mesmo reduzido para 35 dias deve consumir mais de R$ 560 milhões dos impostos pagos pelo cidadão para ressarcir as emissoras de rádio e TV, começa no dia 26, um dia depois da data marcada para o início do julgamento do impeachment.

O eleitor terá pouquíssimo tempo para conhecer minimamente aqueles que postulam administrar a sua cidade e representá-lo na Câmara Municipal. E os candidatos, tanto majoritários como proporcionais, passam a depender quase que exclusivamente do Fundo Partidário – recurso público repassado mensalmente aos partidos de acordo com o peso da legenda. Ou de uma nova modelagem de caixa dois, para o qual não há limite de criatividade, como demonstrou o mensalão e os escândalos na Petrobras e Cia.

O Fundo Partidário, com dotação de mais de R$ 800 milhões neste ano, é altíssimo para o bolso do eleitor que, se perguntado fosse, teria outras prioridades. Mas não passa de trocados na conta das campanhas.

Em 2012, o PT declarou gastos de R$ 67,9 milhões para eleger o prefeito Fernando Haddad. Muito menos do que os R$ 55,3 milhões que o PT recebeu do Fundo de janeiro a julho deste ano, que, em tese, teriam de bancar campanhas de todos os candidatos a prefeito e vereador do partido no país. Corrigidos, os valores gastos por Haddad há quatro anos batem em R$ 90 milhões. Agora, ele diz que gastará no máximo R$ 10 milhões. Só não explica como.

Márcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte, gastou mais de R$ 27 milhões para se eleger em 2012, um milhão a menos do que a sua legenda, o PSB, recebeu do Fundo nos primeiros sete meses de 2016.
No PSDB e no PMDB a situação é semelhante. Recebem respectivamente R$ 6,7 milhões e R$ 6,5 milhões ao mês do Fundo, insuficientes para custear campanhas majoritárias em cidades de médio porte, quanto mais nas grandes. Só a do tucano José Serra custou, em 2012, R$ 33,5 milhões. E a do peemedebista Eduardo Paes, no Rio, R$ 25 milhões.

Sem patrocínio empresarial, o laboratório das eleições 2016 assegura vantagens aos ricos e famosos. Os primeiros podem custear as suas próprias campanhas, como já antecipou o milionário João Dória, candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo. E os da fama contam com a superexposição, a exemplo do também candidato Celso Russomano, comunicador de programa diário na TV, que leva a dona-de-casa direto para a urna.

Vale também captar dinheiro diretamente de pessoas físicas, algo que sempre foi permitido, mas que nunca ganhou corpo no Brasil. Até porque os pressupostos são confiança e crença do eleitor, commodities escassas no país.

Para a doação direta, imaginavam-se novidades, como a arrecadação de fundos via internet, fato que não passou pela cabeça dos congressistas que mudaram a lei. Provocado, o TSE não se pronunciou sobre a coleta digital de recursos e a questão continua em aberto.

No discurso, partidos e candidatos afirmam que as eleições de 2016 vão estabelecer novos paradigmas. Pode ser. Mas até então, a menos de dois meses do pleito, tudo é incógnita.  

Ninguém disse como vai pagar nem o que custa barato, como panfleto, santinho, som, palanque, comício. Muito menos as produções de TV, caríssimas, mesmo deflacionadas pela crise e sem marqueteiros remunerados com dinheiro de propina.

Os mais de 144 milhões de brasileiros aptos a votar em 2 de outubro são protagonistas de um experimento. Suas reivindicações, como a do voto facultativo, registrada como prioritária no canal aberto pela Câmara dos Deputados, nem mesmo foram debatidas, quanto mais votadas.

Tem-se um modelo eleitoral de conveniência que com a proibição da doação privada finge inibir a roubalheira e a doação ilícita. E até gente séria finge acreditar.

Mary Zaidan
Do blog do Noblat 

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