sábado, 14 de abril de 2018

O Dicionário do Amor (Quando as Nuvens Dançam)

Eu digo uma coisa e você entende outra. Você responde isso e eu escuto aquilo. Começa a briga. Lá vem fogo cruzado de palavras. Quem manda mais, quem atira melhor? Nós nos baleamos, nos derrubamos, nos aniquilamos. Com um pouco de sorte, acaba a briga com apenas algumas feridas. Outras vezes, muitas vezes, os golpes são profundos demais. Não dá para estancar o sangramento. Morre o amor. Simples assim. 

Isso acontece o tempo todo, em pequena e grande escala. Dentro das casas, em família, com amigos, colegas de trabalho, parceiros de projetos, conhecidos e desconhecidos, com conterrâneos, com pessoas que aparentemente são da mesma cultura e falam a mesma língua. Imagina então com os outros, os estrangeiros, esquisitos, diferentes, aqueles que têm outros costumes, religiões, filosofias, palavras com sons bizarros? Brigas que escalam em guerras. Guerras que viram massacres. Massacres que se transformam em holocaustos. 

E o pior é que não dá para evitar. Não se continuarmos falando do nosso jeito, da forma como aprendemos em casa, na escola, em nosso mundinho limitado, pois ele sempre será limitado, comparado com o mundo lá fora. Aceitemos: o mundo do outro é outro mundo. Diferente do meu. Para me relacionar, se eu quiser me relacionar, desejar me comunicar, e realmente trocar, tenho que começar pelo início. A minha mesa, a mesa na qual penso quando penso em mesa, não é a mesma mesa na qual a pessoa à minha frente está pensando. Quando falamos de assuntos mais complexos, aí então a coisa pega pra valer. Nós nos encontramos e tentamos fazer algo juntos. De repente, estamos falando de respeito ou desrespeito, de tolerância ou intolerância, de amor ou ódio, de amizade ou traição. Nada disso tem nem pode ter o mesmo significado para duas pessoas que nasceram em horários, lugares, famílias, corpos, vidas completamente diferentes. Cada palavra vem com o peso de toda a vida que a pessoa viveu. Para algumas pessoas, a palavra “mundo” lembra um lugar terrível e assustador, para outras é sinônimo de vastidão e um futuro promissor.
Como, então, é possível se relacionar? A verdade é que quase ninguém se relaciona de verdade. Nós projetamos aquilo que definimos lá atrás, sem saber que definimos, aquilo que imaginamos ser amor ou amizade. Logo, o príncipe vira sapo e o amigo vira monstro. Começa o drama. Sinto-me profundamente magoada com sua linguagem agressiva, não suporto gritos ou palavrões. Você cresceu rodeado de berros, aprendeu que só quem grita mais alto e fala de forma mais dura merece ser ouvido. Nós dois nos sentimos desrespeitados. Ou então... Você me diz que eu não te dou atenção. Eu acho que te dei tudo que tenho para dar. E assim por diante. Sem início, sem fim. Microcosmo, macrocosmo. 

Será que há alguma saída? Não sei. Talvez se pararmos um pouco antes de falar. Talvez se nos permitirmos respirar e olhar. Talvez. Reformular as palavras. Ressignificar universos. Não descansar até enxergar. O ilimitado. O desconhecido. Tocar o intangível. Criar novos idiomas, mais orgânicos, nos quais palavras não são regras, apenas caminhos desembocando em outros caminhos. Não importa tanto o que dissemos, contanto que voltemos. Contanto que agora estejamos aqui. Eu e você. Com suavidade. Olhando nos olhos. Observando. De onde você veio, de onde eu vim. O que eu senti, o que você sentiu. De onde vem a energia, onde brotou a agonia? E aí experimentar. Buscar juntos pela saída das ruas sem saída do sentir. Chorar e rir. Não se prender aos sons. Vomitados ou sussurrados. Sons cortantes ou delicados. São apenas sons. Não temer os silêncios. Mergulhar neles. Não desistir até que coração comece a vibrar com coração. Ou não. Às vezes respeito é ficar, outras vezes respeito é partir. Mas para se comunicar tem que amar. Não dá para ser quem fomos antes. Quando falar é uma forma de calar e calar é uma forma de falar. A dança da mudança. Viajar para outro lugar. Além do que pensamos. Além do que sabemos. Além.

 Photo by Anna Mcnaught

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